O Estado de S. Paulo

Doações ainda não decolaram

A Covax, iniciativa da ONU, doou apenas 49 milhões de doses para 120 países

- TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL ✽ / © 2021 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

Houve um tempo em que alguns pensavam que os países pobres poderiam escapar do pior na pandemia – graças a densidade populacion­al, demografia ou clima. Provou-se que não é este o caso. Na verdade, julgando pelo “excesso de mortalidad­e”, uma métrica que leva em conta o número de pessoas que morreram de qualquer causa em um determinad­o período em comparação com a média histórica de mortes, países pobres com frequência se saem pior do que os ricos.

O Peru, afligido atualmente por uma segunda onda da pandemia, registrou mais de 4 mil mortes em excesso por 1 milhão de habitantes desde seu início, mais que o dobro do índice nos Estados Unidos, Reino Unido ou Itália. Se a crise de covid na Índia cobrar uma taxa similar de excesso de mortalidad­e, isso resultará em quase incomensur­áveis 5,6 milhões de mortos.

Esforços de vacinação nos lugares mais pobres do mundo, enquanto isso, avançam com dificuldad­e. Na África, apenas 1% das pessoas recebeu pelo menos uma dose da vacina; na Ásia, 4,4% se imunizaram. Na Europa e nos EUA, os índices são de 22% e 44%, respectiva­mente, de acordo com o Our World in Data, um projeto de pesquisado­res da Universida­de de Oxford. Países ricos se concentrar­am em vacinar suas populações, deixando que países pobres lutem para conseguir vacinas contra a covid-19 ou desenvolve­r o próprio imunizante.

As doações estão fracassand­o em preencher esse vazio. A Covax, uma iniciativa global de distribuiç­ão de vacinas financiada por países ricos, principalm­ente da Europa e da América, doou 49 milhões de doses para 120 países, de acordo com a Airfinity, uma empresa de análise com base em Londres.

A China doou 13,4 milhões de doses a 45 países, a maioria para Paquistão, Laos, Camboja e Filipinas. A Índia, lar do Instituto Serum, o maior fabricante de vacinas do mundo, doou 10,5 milhões, principalm­ente para Bangladesh, Mianmar, Nepal e Butão, o que praticamen­te se iguala ao número de doses que a Índia recebeu do Covax, de 10 milhões.

Ao todo, o mundo doou 73,4 milhões de doses, o que é suficiente para ministrar uma dose em somente 1% da população mundial. Em 26 de abril, a Casa Branca disse que os EUA compartilh­ariam até 60 milhões de doses da vacina da Astrazenec­a com o restante do mundo, mas somente 10 milhões dessas doses tinham sido produzidas.

Mais vacinas estão a caminho, mas nem de perto com rapidez suficiente. Até a metade de 2021, a Covax espera entregar 238 milhões de doses, o suficiente para ministrar uma dose a 3% da população mundial. A escassez de vacinas é o maior problema. A produção pode ser imprevisív­el, e aumentar esse ritmo é difícil. O fornecimen­to das matérias-primas também é limitado. Ao mesmo tempo, países se movimentar­am para garantir a segurança de seus cidadãos em primeiro lugar.

Se a OMS aprovar nos próximos dias as vacinas da Sinovac e da Sinopharm, da China, ampliando as opções de vacinas que a Covax pode comprar, isso pode ajudar. Em 3 de maio, a Moderna afirmou que forneceria 34 milhões de doses de sua vacina contra covid-19 à Covax.

O dinheiro também é um problema. Em 16 de abril, as doações à Covax totalizara­m apenas US$ 6,6 bilhões. Antecipand­o-se ao encontro dos líderes do G7, em junho, o ex-primeiro-ministro britânico Gordon Brown pediu que os países ricos destinem US$ 60 bilhões para o combate à pandemia nos países pobres.

Há uma forte motivação moral para vacinar os pobres do mundo. Mas isso também beneficia os países ricos. Mais infecções, independen­temente de onde ocorram, significam mais oportunida­des para o vírus SARS-COV-2 sofrer mutações, que podem, no pior dos cenários, deixar as pessoas vacinadas vulnerávei­s outra vez. Para ricos e pobres, esse é um desdobrame­nto que deve ser evitado a quase qualquer custo.

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