Esquerda e novatos serão maioria na Constituinte do Chile
Com a derrota da lista de direita, os conservadores não terão poder de veto na discussão dos artigos da nova Carta Magna
Os chilenos deram uma guinada à esquerda e esnobaram os partidos que se revezam desde a redemocratização no comando do Chile na eleição dos 155 membros da Convenção Constitucional responsável por reescrever a Carta Magna. No dia seguinte à eleição, a Bolsa de Santiago chegou a cair 9,3% e o peso chileno perdeu 2,1% do valor frente ao dólar.
Com a derrota da lista de direita apoiada pelo presidente Sebastián Piñera, os conservadores não terão poder de veto na discussão dos artigos, em um indício de que, com a nova Carta, os chilenos podem recriar serviços públicos privatizados na época da ditadura de Augusto Pinochet.
Listas de candidatos independentes, de ideologia mais à esquerda, mas sem vinculação com partidos políticos tradicionais, tiveram 46% dos votos e, juntos, terão 48 assentos na Convenção Constitucional.
A principal força política dos independentes é a 18-0, lista criada por participantes dos protestos de 2019 que tomaram conta do país e levaram o governo a convocar um referendo sobre a nova Constituição após semanas de violência. Com uma plataforma à esquerda, a 18-O não crê na política partidária convencional.
A maioria dos eleitos é composta por novatos na política. São professores, profissionais liberais, ativistas de movimentos sociais e estudantes. Nas ruas, o clima é de entusiasmo com as mudanças. “Estou esperançoso. As pessoas estão apostando nos independentes. Vamos ver no que vai dar”, disse o biólogo Rodrigo Villalobos.
A lista Vamos por Chile, formada pelos conservadores e a centro-direita, tem a segunda bancada, com 37 deputados. A meta da coligação era passar de 50 assentos para obter o poder de veto sobre artigos da Constituição e, desta forma, impedir mudanças mais amplas no atual texto constitucional. Mas a meta ficou distante. Os direitistas moderados têm maioria na lista diante dos conservadores.
“Nestas eleições, os cidadãos enviaram uma clara e forte mensagem ao governo e também às forças política tradicionais: não estamos sintonizados com as demandas e os desejos dos cidadãos e estamos sendo interpelados por novas expressões e por novas lideranças”, disse Piñera.
A lista de esquerda formada pela Frente Ampla e pelo Partido Comunista Chileno ficou com a terceira bancada, com 28 deputados. O bloco optou por não se aliar à lista formada pela antiga Concertação de Esquerda, que governou o Chile durante a maior parte da redemocratização, com nomes como Michelle Bachelet. A lista da antiga Concertação foi a quarta mais votada e terá 27 assentos.
Analistas são unânimes em apontar a votação como a marca de uma nova etapa na história chilena, mas o futuro da estabilidade econômica está em risco, caso não haja espaço para o diálogo na Constituinte. “Não sabemos ainda a duração nem a profundidade dessas mudanças que se anunciam”, avalia o cientista político Gonzalo Cordero.