As receitas brasileiras pedem vinho
Amaioria das harmonizações de comida com vinho é com receitas internacionais, o que leva à pergunta: e as nossas receitas brasileiras, combinam com o quê? A literatura é incipiente neste casamento gastronômico com temperos nacionais, mas vem sendo escrita no exercício de provar receitas e combiná-las com vinhos. “A comida brasileira tem assunto, tem profundidade, tem especiaria, tem aromas, cor e sabor. Assim como o vinho”, afirma a sommelière Daniela Bravin.
Sócia da sommelière Cassia Campos no projeto Sede 261, que inclui um bar e um clube de vinhos, as duas se lançaram na proposta de encontrar brancos e tintos, não necessariamente nacionais, para combinar com receitas brasileiras. “Quando têm uma comida brasileira, as pessoas pensam na cerveja ou na cachaça, não lembram do vinho”, diz Cássia.
O tempo em quarentena levou a dupla a testar diversas dessas harmonizações, aproveitando que o bar está provisoriamente fechado. A aventura gerou um novo produto, que se soma ao clube de vinhos que as duas gerenciam. É um kit com três vinhos selecionados para harmonizar com pratos específicos da nossa culinária. “Pensamos no prato e nos vinhos que devem harmonizar com ele e provamos”, explica Daniela. O próximo kit traz três tintos, dois elaborados com a nebbiolo e um com a syrah, por R$ 560 (informações em @sede261). A sugestão da dupla é harmonizá-lo com o barreado, receita paranaense preparada pela chef Mara Salles, do Tordesilhas, e vendido por R$ 79, por pessoa, no restaurante.
O prato é preparado com o coxão duro, que é cozido em panela de barro vedada por pelo menos dez horas, e que tem o cominho como tempero a prestar atenção. Mara Salles serve o prato com farinha fina de mandioca e banana-da-terra grelhada. É uma receita substanciosa, que pede mesmo um vinho mais encorpado.
Os comentários da harmonização acompanham o kit. O primeiro vinho é o uruguaio Notos, um corte de 90% de nebbiolo com 10% de tannat, do produtor Pablo Fallabrino. Sobre ele, a dupla escreve: “a intensidade de fruta, estrutura e os taninos rústicos do vinho se mostraram um parceiro à altura do prato, e ambos ganharam com a união”.
Com o Nebbiolo Langhe, do produtor piemontês Bruno Rocca, a harmonização também deu certo – aliás, foi uma combinação mais elegante e não tão rústica como com o vinho uruguaio. A explicação é que “a finíssima trama tânica do vinho, aliada à sua acidez, adquiriu textura, pungência e um delicioso retrogosto de fruta fresca, terra e defumado”.
O terceiro vinho, o Energie, da francesa Viret, era a aposta certeira, pelos temperos do prato, como o cominho, que tende a casar com as especiarias do syrah. “O vinho fez um bom casamento com seus aromas picantes e os temperos do prato. Os taninos foram essenciais para a harmonização dar certo”, escreve a dupla. É a história da nossa harmonização sendo escrita.
É JORNALISTA ESPECIALIZADA EM VINHOS