O Estado de S. Paulo

Ernesto atribui a Pazuello a estratégia para vacinas

Ex-chanceler responsabi­liza pasta da Saúde por estratégia de imunização, na véspera de depoimento do ex-ministro, e diz que Bolsonaro envolveu Itamaraty na busca por cloroquina

- / COLABOROU AMANDA PUPO

O ex-chanceler Ernesto Araújo disse à CPI da Covid que a estratégia para a compra de vacinas era responsabi­lidade do Ministério da Saúde, então chefiado por Eduardo Pazuello, que depõe hoje à comissão. Araújo acrescento­u que o presidente Jair Bolsonaro mobilizou o Itamaraty para buscar medicament­os que especialis­tas consideram sem eficácia comprovada contra a covid-19.

Em depoimento à CPI da Covid, o ex-chanceler Ernesto Araújo jogou no Ministério da Saúde a responsabi­lidade sobre a estratégia para obtenção de vacinas contra o coronavíru­s. Na véspera do interrogat­ório do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello à comissão, marcado para hoje, Araújo acabou implicando o general no agravament­o da crise que culminou com a escassez de imunizante­s. Além disso, envolveu diretament­e o presidente Jair Bolsonaro na decisão de mobilizar o Itamaraty para a busca de medicament­os sem eficácia comprovada, como a cloroquina fabricada na Índia e um spray nasal em Israel.

O ex-chanceler disse que o Itamaraty servia apenas como executor de solicitaçõ­es da Saúde por vacinas, equipament­os hospitalar­es e insumos farmacêuti­cos. “A linha seguida pelo Itamaraty foi sempre de atuar a partir daquilo que era requerido, basicament­e, pelo Ministério da Saúde”, afirmou o ex-ministro das Relações Exteriores.

Questionad­o durante sete horas por senadores, Araújo muitas vezes optou por respostas evasivas e foi chamado de “mentiroso” e “omisso”. Impassível, fez questão de destacar que foi de Pazuello, ainda, a decisão de entrar tardiament­e na Covax Facility, consórcio da Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS) para distribuiç­ão de vacinas. A reserva de doses foi para apenas 10% da população, quando havia possibilid­ade de um pedido bem maior, de até 50%. Araújo negou ter sido contra o ingresso do País no consórcio. “Foi uma decisão do Ministério da Saúde, dentro da sua estratégia de vacinação”, insistiu ele.

Para senadores da CPI, o depoimento de Araújo deixa Pazuello em situação delicada. “Ele enfatizou que todas as iniciativa­s da política externa acontecera­m em função de decisões e influência do Ministério da Saúde, à exceção da importação de cloroquina, porque ele discutiu com o presidente, e da viagem a Israel. Ao dizer isso ele transfere o ônus da responsabi­lidade ao ex-ministro Pazuello, diretament­e, sem subterfúgi­os”, disse o relator, Renan Calheiros (MDB-AL).

Na avaliação do vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-ap), Pazuello foi abandonado pelo Palácio do Planalto. “O que está sendo feito pelo governo com o senhor Pazuello é um ato de covardia. Está sendo entregue aos leões para ser o bode expiatório e pagar o preço sozinho. A pergunta a ele será: O senhor foi o único responsáve­l por tudo isso?”, adiantou Randolfe.

Corrida. À CPI, Araújo confirmou que o Itamaraty trocou mensagens com a embaixada em Nova Délhi, como mostrou a Folha de S. Paulo, para tentar viabilizar a importação de cloroquina. Disse, ainda, que Bolsonaro também pediu uma conversa por telefone com o premiê indiano Narendra Modi. “Houve uma grande corrida aos insumos para hidroxiclo­roquina e baixou precipitad­amente o estoque de cloroquina. (...) O Ministério da Saúde foi quem nos pediu que procurasse viabilizar essa importação”, declarou o exchancele­r, mais uma vez apontando o dedo para Pazuello.

Renan quis saber se houve participaç­ão de Bolsonaro nessa decisão. “Sim”, respondeu o ex-chanceler. A viagem que a comitiva brasileira fez em março para Israel, com o objetivo de conhecer o spray nasal contra covid, foi planejada, segundo Araújo, após um telefonema entre o presidente e o premiê israelense, Benjamin Netanyahu.

Dez integrante­s do governo foram para Israel, mas a missão foi um fracasso e não houve acordo. O spray havia sido classifica­do por Bolsonaro como “milagroso”, apesar de estar em fase de testes.

Pressionad­o por senadores, como Kátia Abreu (Progressis­tas-to), Araújo afirmou que nas reuniões ministeria­is a compra de vacinas contra covid não era discutida de forma específica. “Com exceção (da reunião) de março ou fim de fevereiro. Foi a reunião onde o presidente disse ‘sim, quero falar com o presidente da Pfizer’”, relatou. Na semana passada, o presidente da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, disse que a empresa enviou carta a Bolsonaro em setembro de 2020.

Críticas. “O senhor foi uma bússola que nos direcionou para o caos, para um iceberg, para um naufrágio”, criticou Kátia Abreu, que chamou o ex-chanceler de “negacionis­ta compulsivo”.

Por diversas vezes Araújo negou embates públicos com a China e disse nunca ter proferido frases de cunho preconceit­uoso ou declaraçõe­s “antichines­as” (mais informaçõe­s na pág. A8). O clima esquentou na CPI. “Dizer que o senhor nunca se indispôs com a China... O senhor está faltando com a verdade”, protestou o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM). “O senhor falou em ‘comunavíru­s’. Até bateu boca com o embaixador chinês”, emendou o senador.

‘Rumo ao caos’ •

“O senhor foi uma bússola que nos direcionou para o caos, para um iceberg, para um naufrágio.” Kátia Abreu (Progressis­tas-to)

PRESIDENTE DA COMISSÃO

DE RELAÇÕES EXTERIORES

DO SENADO

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GABRIELA BILO/ESTADÃO Ex-chanceler. Araújo, durante depoimento de mais de sete horas à CPI, falou sobre atuação do Itamaraty na pandemia

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