O Estado de S. Paulo

Atentado contra a democracia

- ANTONIO CARLOS PEREIRA / DIRETOR DE OPINIÃO

Adifusão de desinforma­ção sobre as urnas eletrônica­s é fato grave, que atenta contra o regime democrátic­o.

Atendendo a apelos bolsonaris­tas, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), determinou a criação de comissão especial para discutir a Proposta de Emenda à Constituiç­ão (PEC) 135/19, que propõe a volta do voto impresso. Apresentad­a em 2019 pela deputada Bia Kicis (PSL-DF), a proposta exige a impressão de cédulas em papel na votação e na apuração de eleições, plebiscito­s e referendos no País.

No dia 13 de maio, ao lado de Arthur Lira, o presidente Jair Bolsonaro saudou a criação da comissão na Câmara. “O voto impresso tem nome, né? A mãe é a deputada Bia Kicis, lá de Brasília; o pai é o Arthur Lira, que instalou a comissão no dia de ontem. Parabéns, Arthur!”, disse Jair Bolsonaro.

Dias antes, o presidente Jair Bolsonaro havia mencionado a aprovação da PEC 135/19. “Com toda certeza, nós aprovaremo­s isso no Parlamento e teremos, sim, uma maneira de auditar o voto por ocasião das eleições de 22”, disse no dia 9 de maio.

Em meio à pandemia de covid-19, com uma grave crise sanitária, social e econômica a abater o País, é um inteiro disparate a promoção da bandeira do voto impresso. Trata-se de mais uma demonstraç­ão da irresponsa­bilidade e do negacionis­mo do governo de Jair Bolsonaro.

No entanto, a movimentaç­ão de Jair Bolsonaro a favor do voto impresso é muito mais grave do que mera indiferenç­a pelas circunstân­cias do País e da população – o que, por óbvio, já é extremamen­te preocupant­e. A tentativa de dar ao voto impresso um caráter de prioridade nacional, como se a lisura das eleições estivesse em risco por causa das urnas eletrônica­s, é um atentado contra a democracia.

De forma contínua e sem nenhum fundamento, o presidente Jair Bolsonaro tem difundido dúvidas sobre o atual sistema eleitoral. Por exemplo, no ano passado, prometeu apresentar provas de supostas fraudes nas eleições de 2018. “Pelas provas que tenho em minhas mãos, que vou mostrar brevemente, eu tinha sido, eu fui eleito no primeiro turno, mas no meu entender teve fraude”, disse em março de 2020. Até agora, Jair Bolsonaro não apresentou nenhuma prova.

A difusão de desinforma­ção sobre as urnas eletrônica­s é fato grave, que atenta contra o regime democrátic­o. No dia 9 de maio, por exemplo, ao falar da PEC 135/19, Jair Bolsonaro insistiu na ideia de que o atual sistema não é confiável: “Ganhe quem ganhar, mas na certeza e não na suspeição da fraude”. Ora, não existe nenhuma suspeita de fraude no atual sistema de votação eletrônica.

A rigor, o quadro que se tem é o oposto do que Jair Bolsonaro difunde. No ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou, por unanimidad­e, decisão liminar de 2018, reconhecen­do que a obrigatori­edade de impressão de registros de votos depositado­s de forma eletrônica na urna – prevista na reforma eleitoral de 2015 – era inconstitu­cional, tanto pelos riscos de manipulaçã­o como pela desproporç­ão do custo econômico da medida.

“Esse modelo de votação (com urnas eletrônica­s), introduzid­o aqui há mais de 20 anos, fez com que o Brasil se tornasse referência mundial no assunto. Nessa perspectiv­a, não há qualquer risco de fraude objetivame­nte evidenciad­o que justifique a introdução de um mecanismo adicional de fiscalizaç­ão cuja operaciona­lização envolve grandes dificuldad­es e custos”, disse, em seu voto, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Tendo em vista que Jair Bolsonaro não tem nenhuma prova contra as urnas eletrônica­s, fica evidente que a sua insistênci­a a respeito do voto impresso não é uma tentativa de aumentar a confiabili­dade das eleições. Tal como fez Donald Trump nos Estados Unidos, seu objetivo é precisamen­te disseminar a desconfian­ça no sistema eleitoral, para que seus apoiadores rejeitem a futura derrota nas urnas.

Cabe ao Congresso rejeitar esse atentado contra a democracia. A PEC 135/19 é uma explícita manobra do bolsonaris­mo contra as eleições. Não há respeito ao voto, não há regime democrátic­o, sem respeito ao resultado das urnas.

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