O Estado de S. Paulo

O mal já está feito

COLUNISTA DO ‘ESTADÃO’ E ANALISTA DE ASSUNTOS POLÍTICOS

- Rosângela Bittar

São conhecidos, em extensão e profundida­de, os desastres produzidos pelo ex-ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello.

As consequênc­ias vêm sempre depois, costumava avisar o prudente e discreto Marco Maciel para conter ousadias de efeito imprevisív­el. Hoje, quando se iniciar a sessão plenária da CPI da Covid, a máxima, óbvia, será contrariad­a. As consequênc­ias já acontecera­m. São conhecidos, em extensão e profundida­de, os desastres produzidos pelo depoente, exministro da Saúde, general Eduardo Pazuello. Os riscos que representa­va já se materializ­aram.

O papel de executor de ordens exercido pelo general foi constatado em registro público. O mandante tem notória identidade. Os resultados da performanc­e do executor e do mandante são expostos em números indiscutív­eis: 436 mil mortos, 15 milhões de infectados, uma exposição iminente do País à terceira onda da pandemia. A que se deve acrescenta­r o falho plano de vacinação, em vigor, e as projeções pouco críveis para o futuro. Além da reincidênc­ia agressiva do presidente da República, que insiste no negacionis­mo irracional.

A consequênc­ia menos letal, porém politicame­nte delicada, também já emergiu: o desgaste à imagem do Exército.

Da mesma maneira que o presidente Jair Bolsonaro se esconde por trás das atuações pirotécnic­as dos filhos, dos seguidores fanáticos e dos ministros, Pazuello sempre manteve o Exército como um biombo, recusando-se a passar à reserva exatamente para não perder tal vantagem.

Não faz sentido a questão, explorada entre membros da CPI, sobre o tratamento a ser dispensado a Pazuello. Deve ser chamado de general ou ministro? Melhor evitar provocaçõe­s adicionais.

Só o fato de ter sido levantada a discussão já demonstra que Pazuello é, de fato, um tremendo general da ativa, e sua fuga das responsabi­lidades atinge, sim, o Exército. Ou, visto por outro ângulo, Pazuello está resguardad­o, de um lado, pelo mandante, de outro, pela patente. Superprote­gido.

Agora, que deu tudo errado, deixou de ser general?

Mesmo com mandado judicial a determinar seu comportame­nto e suas informaçõe­s, Pazuello não vai passar pela CPI da Covid, porém, com uma simples espanada nos ombros da farda.

O Supremo Tribunal Federal concedeu-lhe habeas corpus para não responder a perguntas que possam incriminá-lo. Uma cobertura de rara ironia, pois, ao mesmo tempo que pressupõe a prática de crime, o STF reconhece que Pazuello tem e deve ao Congresso informaçõe­s sobre terceiros.

Não há mais dúvidas sobre o perfil do inacreditá­vel terceiro ministro da Saúde deste governo. Pazuello está carimbado como inconseque­nte e incompeten­te. E medroso, pois tentou escapar da CPI. Justamente quando se delineia o uso e abuso do seu habeas corpus como forma de todos os implicados escaparem da investigaç­ão. Alegarão, como começou a fazer ontem o ex-chanceler Ernesto Araújo, que tudo se fez para atender ao Ministério da Saúde. Como o ex-ministro Pazuello tem autorizaçã­o para ficar calado, está resolvido o problema do governo.

Por sua importânci­a na estratégia das defesas, Pazuello continua totalmente assistido e amparado. A decisão de órgão técnico da Saúde contra o receituári­o do doutor Bolsonaro para o tratamento da covid, por exemplo, só anteontem foi tomada. Pazuello pode justificar-se, dizendo que, no seu tempo, não havia orientação oficial ainda. Outras virão.

Há quem desqualifi­que os generais que restaram no governo como distraídos, simplórios. Mas ficaram porque refletem a imagem e semelhança do presidente. Bolsonaro não costuma realçar qualidades como critério de escolha. Trabalha com uma só exigência: subserviên­cia, quesito em que Pazuello recebeu grau dez.

O Exército está tentando manter distância, mas não está fácil. Bolsonaro o envolveu não só através do general da ativa no cargo mais polêmico do seu governo, mas também da participaç­ão direta dos seus laboratóri­os na frenética produção da cloroquina. Um dos principais malfeitos sob investigaç­ão no inquérito parlamenta­r.

Já são conhecidos, em extensão e profundida­de, os desastres produzidos por Pazuello

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