O Estado de S. Paulo

Mais uma crise na Terra Santa

- ✽ Paulo Roberto da Silva Gomes Filho ✽ CORONEL DE CAVALARIA (WWW.PAULOFILHO.NET.BR)

Após semanas de escalada de tensões, está em andamento a mais grave crise envolvendo israelense­s e palestinos desde 2014. O mundo acompanha pela imprensa e pela internet a pirotecnia das cenas de explosões de foguetes lançados pelo Hamas contra diversas cidades israelense­s e dos bombardeio­s aéreos e de artilharia das Forças de Defesa Israelense­s à Faixa de Gaza.

As vítimas civis já podem ser contadas na casa das centenas. Além das ações no campo militar, a disputa pela conquista de apoios, simpatias ou aliados é travada com ferocidade, de parte a parte, e as pessoas que observam de longe se veem em meio ao fogo cruzado da guerra de narrativas, expostos que estão a análises sérias, mas também a pura propaganda, muitas vezes sem condições de diferencia­r uma da outra.

Os acontecime­ntos que culminaram com o violento conflito atual têm como causa imediata a ordem judicial de despejo de famílias palestinas que moram no bairro Sheikh Jarrah, em Jerusalém Oriental, e também os incidentes nas cercanias do Monte do Templo e da mesquita de Alaqsa, no mesmo bairro.

As tensões entre judeus e palestinos, dentro do território israelense, já estavam mais altas do que o normal havia algumas semanas, em razão da “intifada do Tiktok”, em que vídeos com jovens israelense­s árabes agredindo jovens israelense­s judeus ortodoxos viralizara­m no aplicativo. Esses conflitos internos, entre os próprios cidadãos de Israel, que se intensific­aram e se verificara­m em diferentes cidades ao longo da semana, são pouco comuns, e não ocorreram com essa intensidad­e marcante em outros momentos de conflito entre israelense­s e palestinos.

O calendário deste ano aproximou duas datas móveis importante­s para muçulmanos e judeus. Dia 8 de maio os islâmicos comemorara­m o início da revelação do Alcorão pelo anjo Gabriel a Maomé, a chamada Noite do Poder, não só a mais importante data do Ramadã, mas de todo o calendário da fé islâmica. De seu lado, os judeus se preparavam para comemorar o “Dia de Jerusalém”, no dia 10, data em que eles rememoram o que consideram ser a reunificaç­ão da cidade, com a conquista da porção oriental de Jerusalém na Guerra dos Seis dias, em 1967. Os grupos encontrara­m-se no lugar que é sagrado para ambos, em Jerusalém Oriental, e o confronto foi inevitável.

Os ânimos acirrados pela série de acontecime­ntos recentes acabaram em violentos confrontos entre policiais israelense­s e palestinos, nas cercanias do Monte do Templo

e da mesquita sagrada de Al-aqsa, o que enfureceu os muçulmanos israelense­s e palestinos. Assim, na segundafei­ra, dia 10, o Hamas emitiu um inédito ultimato aos israelense­s, informando que, caso a polícia não se retirasse das redondezas da mesquita de Al-aqsa e do bairro de Sheikh Jarrah até as 18 horas, agiriam em represália. Os israelense­s não retiraram a polícia e os palestinos iniciaram o lançamento de foguetes a partir de 18h05. Um fato importante a destacar é que os palestinos lançaram seus foguetes contra a capital de Israel, Telaviv, ação que eles vinham evitando nos últimos anos. E bombardear­am Jerusalém, cidade sagrada para judeus e para muçulmanos, pela primeira vez na História.

Tudo isso acontece em meio a uma crise política que decorre, simultanea­mente, tanto em Israel quanto nos território­s palestinos. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu

falhou em sua tentativa de estabelece­r um governo de coalizão após a quarta eleição em apenas dois anos. Ele enfrenta baixos índices de popularida­de e seu governo, neste momento, carece da legitimida­de do mandato popular.

Ao mesmo tempo, o presidente palestino, Mahmoud Abbas, acaba de cancelar as eleições presidenci­ais que estavam previstas – as primeiras desde 2006 – ao perceber que seu partido, o Fatah, estava indo mal nas pesquisas eleitorais. Com os dois líderes precisando aumentar sua popularida­de, o risco de que eles venham a tomar decisões mais duras, ou precipitad­as, passa a ser mais alto. Isso é especialme­nte verdadeiro em relação a Israel, onde o líder oposicioni­sta Yair Lapid estava tentando montar o governo com o apoio da extrema direita nacionalis­ta, que havia abandonado Netanyahu, e também dos partidos árabes, uma tentativa inédita. Com a escalada das tensões, esse movimento se tornará inviável, com claros benefícios para Netanyahu.

Os conflitos entre os israelense­s e os Estados árabes, que já os levaram à guerra em quatro oportunida­des, arrefecera­m nos últimos anos, até mesmo com a celebração, no ano passado, dos chamados Acordos de Abraão, entre Israel, Emirados Árabes Unidos e Bahrein, que se uniram ao Egito e à Jordânia, aumentando o número de países árabes que mantêm relações normais com Israel.

Entretanto, como essa crise mais uma vez comprova, as relações entre israelense­s e palestinos não lograram conquistar praticamen­te nenhum avanço. Construir um ambiente de confiança mútua que proporcion­e a paz e uma solução definitiva para o conflito não parece ser um objetivo próximo de ser alcançado.

Construir um ambiente que proporcion­e a paz não parece um objetivo próximo de alcançar

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