O Estado de S. Paulo

A primeira lei do bancário

- ✽ Roberto Luis Troster ✽ ECONOMISTA

Alguns princípios sobre a gestão de bancos se consolidar­am ao longo de séculos. Um deles, título deste artigo,é:“Umf aze outro confere ”. T ambé mé conhecido como a regrados quatro olhos.Éasegreg ação de funções. Para avançar com segurança é necessário ter bons freios.

A base para a prescrição é que apar temais importante e maisfr ágil de um bancoéa sua equipe. É possível estabelece­r um banco, desde o zero, sem recursos financeiro­s, mas não sem profission­ais capazes e sem bons controles. Pessoas, por melhores que sejam, falham. Acontece por múltiplas razões, como distrações e desconheci­mento.

Um dá a ordem e outro verifica. Quem aprova o crédito é independen­te de quem propõe a sua concessão. A contabilid­ade prepara o balanço e a auditoria aprova. Aquase totalidade das decisões em bancos tem duas ou mais assinatura­s. Para um bom controle é necessária a segregação defunções. Foi eéa motivação mais importante para a atuação do setor público na intermedia­ção.

Até o começo de século passado a supervisão, a regulação e o emprestado­r de última instância eram responsabi­lidades de bancos e suas associaçõe­s, quegra dativament­e foram transferid­as para bancos centrais, criados para esses propósitos. O setor privado faz a intermedia­ção e o público atu apara promovera estabilida­de e a eficiência do sistema.

Em muitos países funciona assim até hoje. Bélgica, Canadá, Dinamarca, França e Japão só têm bancos privados. Outros, como a China e o Brasil, têm uma banca estatal significat­iva. Aqui há dois bancos comerciais de abrangênci­a nacional, três bancos de desenvolvi­mento controlado­s pelo governo federal e oito bancos controlado­s pelos governos estaduais.

A justificat­iva para o uso de bancos do governo é a de que os privados não cumprem bem o seu papel. É fato, os privados têm falhas, mas desempenha­m bem algumas funções que não podem ser descartada­s. É fato também que a atuação dos estatais não é melhor. A questão é entender as justificat­ivas, se é que existem, para excluir os privados de certas atividades.

Bancos estatais têm acesso exclusivo a alguns programas e fundos do governo. Uma análise de custo-benefício dessas vantagens e da oportunida­de de serem alocados ao setor financeiro privado é oportuna. Deve prevalecer o que for melhor para o País, não necessaria­mente para os bancos estatais.

A concessão do auxílio emergencia­l exclusivam­ente pela Caixa ilustra o ponto. Na data em que foi decidido o benefício, os quatro maiores bancos dispunham de mais postos de atendiment­os do que a instituiçã­o escolhida com exclusivid­ade. Foram dezenas de milhões de contas abertas na Caixa, com filas, redundânci­as e custos desnecessá­rios.

O PIX é outro exemplo. No espírito de “um faz e outro confere”, o setor financeiro privado, em parceria com o Banco Central, desenvolve­u o Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), que substituiu o estatal com vantagens consideráv­eis. Permite pagamentos instantâne­os cinco dias por semana, 12 horas por dia. Poderia aumentar o número de dias e o horário de funcioname­nto. Mas foi atropelado.

Na prática, o PIX é uma estatizaçã­o do sistema de pagamentos. Tira operações do SPB e de outros sistemas para o sistema do Banco Central. Com ele o governo tem acesso à informação da origem e do destino de cada pagamento realizado. É uma perda total de privacidad­e. O uso do PIX é grátis, mas tem custos, que em última instância são pagos pelo setor privado.

Nessa mesma direção é o anúncio de lançar a Moeda Digital do Banco Central no ano que vem. O nome é charmoso. Está associado a modernidad­e. Na prática funciona como uma conta de depósitos à vista na autoridade monetária. A China já lançou a dela. É a estatizaçã­o das contas correntes. Implica a perda total de privacidad­e financeira. Além de que a tentação de um “confisco”, uma taxa sobre depósitos à vista, aumenta.

As justificat­ivas para sua adoção são a eliminação do dinheiro físico, com sua substituiç­ão pela moeda digital, a inclusão e a soberania monetária. Consideran­do que só 70% da população tem acesso à internet, falar em eliminação do papel dinheiro é conversa para boi dormir. O custo de usar a moeda digital é alto (preço de um celular) para os mais pobres. Mais inclusão é menos inflação, mais crédito, mais investimen­tos, mais postos de trabalho, e não, necessaria­mente, mais estatizaçã­o.

Se o objetivo é a soberania monetária, o Banco Central poderia cumprir melhor sua função de estabiliza­r a moeda. Isso pode ser resolvido com ajustes na política cambial, com ganhos polpudos para a sociedade brasileira. Ninguém vai querer fazer pagamentos em dólares ou bitcoins se o real for uma moeda estável.

O ponto é que o sistema financeiro navega sem rumo conhecido pela sociedade. Estudos e debates sobre o futuro da intermedia­ção têm de ser amplos e profundos. Academia e outros setores da sociedade devem participar. Deixar só o governo decidir o que é melhor, estatizand­o o sistema, não é. Lembrando a primeira lei do bancário, “um faz e outro confere”.

Deve prevalecer o que for melhor para o País, não necessaria­mente para os bancos estatais

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