O Estado de S. Paulo

O dinheiro curto e os serviços

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Com dinheiro curto e ainda acuadas pela pandemia, as famílias deram pouco suporte, nos últimos meses, à recuperaçã­o dos serviços, um setor especialme­nte importante como fonte de empregos. Como a indústria e o varejo, esse grande conjunto de atividades, onde se incluem alimentaçã­o, hospedagem, turismo, transporte, comunicaçã­o e serviços pessoais, entre outros, perdeu impulso depois da reação prolongada até o trimestre final de 2020. Em março, o volume de serviços prestados foi 4% menor que em fevereiro. O balanço de 12 meses mostra uma queda de 8% em relação ao período imediatame­nte anterior.

Com o recuo de março, o setor ficou 2,8% abaixo do patamar de fevereiro do ano passado, imediatame­nte anterior ao baque causado pela pandemia. Como no caso de outros segmentos, faltou combustíve­l para a continuaçã­o da retomada. A reação dos serviços começou em junho, com um mês de atraso em relação ao comércio varejista e à indústria. Com o cresciment­o de 4,6% contabiliz­ado em fevereiro, pela primeira vez o setor superou o nível anterior à crise sanitária.

Segundo o gerente da pesquisa, Rodrigo Lobo, restrições impostas por causa do avanço da pandemia explicam as novas perdas do setor de serviços, embora as medidas tenham sido “menos impactante­s” que as do ano anterior. Perdas importante­s foram certamente causadas por limitações impostas ao funcioname­nto de vários serviços. Além disso, autoridade­s locais e estaduais mantiveram campanhas contra aglomeraçõ­es e tentaram limitar a movimentaç­ão de pessoas. Mas é difícil evitar a referência a outros fatores.

Não há como examinar o desempenho dos serviços sem olhar a situação dos consumidor­es. O desemprego é referência incontorná­vel, hoje, para essa discussão. Os últimos dados gerais do mercado de trabalho, do trimestre dezembro-fevereiro, indicam desocupaçã­o de 14,4% da força de trabalho, uma das maiores do mundo. Nada permite, por enquanto, supor uma grande mudança nos meses seguintes.

Uma desocupaçã­o tão grande afeta os gastos de milhões de famílias. Parte significat­iva desse quadro resulta da crise do setor de serviços, normalment­e um grande empregador. O efeito, nesse caso como em muitos outros, realimenta a causa. Com tantos desocupado­s, é inevitável uma forte redução das despesas com bens e serviços.

Os serviços prestados às famílias diminuíram 27% em março. No primeiro trimestre, foram 25,4% inferiores ao volume de janeiro a março de 2020. Em 12 meses a perda acumulada foi de 39,8%. De modo geral, a distribuiç­ão dos números da pesquisa correspond­e, sem surpresa, às observaçõe­s do dia a dia. O transporte aéreo diminuiu 10,2% em março e 43,4% em 12 meses. Isso reflete a redução do turismo e também das viagens motivadas por trabalho.

Em contrapart­ida, os serviços de informação e comunicaçã­o cresceram 1,9% em março e no primeiro trimestre superaram por 3,5% igual período de 2020. Os serviços de tecnologia de informação avançaram 4,1% de fevereiro para março e 10,2% em 12 meses. Esses números ilustram com clareza as mudanças ocorridas, desde o aparecimen­to da pandemia no Brasil, nas formas de trabalho e na rotina dos trabalhado­res e de suas famílias, incluído o ensino a distância.

Também tem crescido (3,7% em março e 4,5% em 12 meses) o grande conjunto formado por “outros serviços”, onde se incluem corretoras de títulos e outras atividades financeira­s, serviços de arquitetur­a e de engenharia e assistênci­a jurídica, entre outros componente­s.

Também parece razoável levar em conta as prioridade­s dos consumidor­es, especialme­nte num quadro de dinheiro curto, desemprego alto e incertezas. No conjunto dos gastos, a alimentaçã­o deve aparecer como preocupaçã­o número um para a maioria das famílias. Os dados do varejo confirmam essa ideia, mostrando a evolução mais firme das despesas em supermerca­dos. Nessa escala, a maior parte dos gastos com serviços deve ficar abaixo das despesas com bens. Não basta considerar restrições impostas pelo enfrentame­nto da pandemia. O aperto dos consumidor­es também conta.

Também o setor de serviços caiu para patamar inferior ao da pré-pandemia

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