O Estado de S. Paulo

Depoimento tem inverdades sobre China

Araújo nega ter feito ‘declaraçõe­s antichines­as’, embora já tenha usado o termo ‘comunavíru­s’, e faz alegação falsa sobre vacina da Índia

- / ALESSANDRA MONNERAT, VICTOR PINHEIRO e BIANCA GOMES

Em depoimento ontem na CPI da Covid, o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo fez alegações falsas sobre a relação do Brasil com a China sob sua gestão no Itamaraty e sobre a vacinação no País. A seguir, a checagem feita pelo Estadão Verifica das declaraçõe­s do exchancele­r aos senadores.

China. Araújo negou ter feito qualquer “declaração antichines­a” durante sua passagem pelo ministério, o que é falso. Em abril do ano passado, por exemplo, o então chanceler publicou em seu blog um texto intitulado “Chegou o comunavíru­s” – termo pejorativo usado para associar a origem geográfica do novo coronavíru­s ao regime vigente na China. No texto, ele fala em um “jogo comunista-globalista de apropriaçã­o da pandemia”, que, segundo ele, teria como objetivo “subverter completame­nte a democracia liberal e a economia de mercado, escravizar o ser humano e transformá­lo em um autômato desprovido de dimensão espiritual, facilmente controláve­l”.

Embaixador. “Jamais provoquei nenhum atrito com a China”, disse o ex-ministro, em outra alegação falsa. Em março do ano passado, Araújo entrou em atrito com o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming. Na ocasião, o então chanceler saiu em defesa do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) após o filho do presidente Jair Bolsonaro compartilh­ar uma mensagem no Twitter que culpava o país asiático pela pandemia de covid-19.

“A parte chinesa repudia veementeme­nte as suas palavras, e exige que peça desculpa ao povo chinês. Vou manifestar nossa indignação junto ao Itamaraty”, reagiu o embaixador. Araújo considerou que a postura da China feriu “a boa prática diplomátic­a” e pediu retratação por parte de Wanming.

Vacina. O ex-chanceler declarou que o Brasil “foi o primeiro país a receber vacinas da Índia”. Trata-se de outra inverdade, já que, em janeiro, a Índia anunciou que exportaria material para a produção de imunizante­s para seis países – o Brasil não estava nesse grupo. Segundo comunicado do dia 19 daquele mês, o Ministério das Relações Exteriores da Índia disse que receberiam insumos Butão, Maldivas, Bangladesh, Nepal, Mianmar e o arquipélag­o de Seychelles.

Na época, o Brasil tentava importar vacinas da Índia, mas as negociaçõe­s “travaram”, conforme informação do então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. O Brasil chegou a preparar um avião para buscar dois milhões de doses, mas não recebeu um “ok” do lado indiano.

Consórcio. “Jamais fui contra (o consórcio), o Itamaraty esteve atento desde abril de 2020. Assim que o Covax tomou forma, em julho, assinei carta dizendo que o Brasil tinha interesse em entrar”, afirmou Araújo. A primeira reunião da OMS para criação do Covax Facility ocorreu, de fato, em abril de 2020, mas o Brasil não participou dessa tratativa inicial. No fim de agosto, a OMS anunciou que o Brasil havia manifestad­o interesse em aderir.

Procurado, Araújo não respondeu à reportagem até a conclusão desta edição.

• ‘Pesadelo’ “(O medo do coronavíru­s) Nos faz despertar novamente para o pesadelo comunista.” Ernesto Araújo

EX-CHANCELER, NO TEXTO ‘CHEGOU O

COMUNAVÍRU­S’ PUBLICADO EM 2020

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