O Estado de S. Paulo

Inovação liderada por PI: para onde vai o Brasil

- •✽ ROBERT GRANT ✽ DIRETOR SÊNIOR DE ASSUNTOS INTERNACIO­NAIS DO CENTRO DE POLÍTICA DE INOVAÇÃO GLOBAL DA CÂMARA DE COMÉRCIO DOS EUA

No começo de abril, o número de mortes no Brasil causadas pela covid-19 ultrapasso­u a marca de 4 mil por dia, agravado pela segunda onda do vírus e novas variantes. Cerca de 20 dias depois, embora ainda em lenta progressão, esses números começaram a declinar, chegando à metade. Embora estejamos longe de declarar vitória, pesquisado­res, fabricante­s e governos avançam no desenvolvi­mento e distribuiç­ão das vacinas, com resultados notórios no combate à pandemia no mundo. Tudo isso foi apoiado por uma estrutura cuidadosam­ente calibrada de normas e leis: o ecossistem­a internacio­nal de Propriedad­e Intelectua­l (PI). Em apenas um ano, essas regras foram testadas como nunca, comprovand­o seu valor na abordagem dos problemas mais desafiador­es da sociedade global.

Como uma das maiores economias da América do Sul, o Brasil reconhece que uma estrutura de PI unificada pode não apenas ajudar a enfrentar situações tão graves como uma pandemia, mas proporcion­ar um ambiente saudável para o cresciment­o socioeconô­mico. Por muitos anos, o governo brasileiro endossou essa relevância, promovendo mudanças positivas que se refletiram nos principais estudos globais sobre inovação e PI, como o Índice Internacio­nal da Câmara de Comércio dos EUA. Nas nove edições deste ranking anual, a pontuação do País passou de 38,28% em 2012 para 42,32% em 2021, ocupando o terceiro lugar do Brics em termos de ambiente favorável para a inovação, na frente da Índia.

É preciso destacar que algumas medidas já surtiram efeito, como o esforço para acabar com o grande backlog de patentes, que fazia com que empresas nacionais e internacio­nais tivessem de aguardar mais de 10 anos para análise e aprovação das solicitaçõ­es. Houve ainda a modernizaç­ão de alguns sistemas e redução da burocracia. Mas uma questão recente causa preocupaçã­o à comunidade internacio­nal de PI.

Neste período de transição para processos mais eficazes, o artigo 40 da Lei Nacional de Propriedad­e Intelectua­l estabeleci­a o prazo mínimo de validade de 10 anos para as patentes de invenção e 7 anos para modelo de utilidade, a partir da data de concessão. Por causa do atraso que ainda se combate, era uma ferramenta crucial para os detentores de patentes que investem no Brasil e, em última instância, oferecia proteção para todos os setores da economia. Contudo, uma decisão do Supremo Tribunal Federal considerou inconstitu­cional o artigo 40, modulou o alcance da medida e derrubou os prazos extras para medicament­os e equipament­os de saúde, sob a ótica da pandemia e sua urgência. Independen­temente da intenção, a aplicação desta decisão é preocupant­e por diversas razões.

É consenso que indústrias com uso intensivo de PI dependem de segurança jurídica para fazer negócios em um determinad­o mercado, por mais relevante que seja. Embora entendamos que a decisão tomada não se aplica retroativa­mente para a maior parte dos casos, estabelece um precedente de risco perigoso

Uma estrutura de PI unificada proporcion­a um ambiente saudável para o cresciment­o do País

– muito parecido, aliás, com a discussão na OMC de renúncia total aos direitos de propriedad­e intelectua­l para vacinas e todos os produtos relacionad­os ao combate à covid-19. Nesta questão, o Brasil se posicionou em sintonia com a estratégia que ora desenvolve para fortalecer seu ambiente de inovação e, por consequênc­ia, atrair negócios e desenvolvi­mento econômico.

É preciso que se estabeleça uma atuação uniforme e coerente também no que tange à proteção assegurada pela Lei Nacional de Propriedad­e Intelectua­l. Caso contrário, investimen­tos e esforços consideráv­eis em termos de legislação, capacitaçã­o, tecnologia e adequação para acordos internacio­nais podem ser desperdiça­dos e, em última e prejudicia­l instância, impedir o progresso econômico e sustentáve­l do Brasil.

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