O Estado de S. Paulo

PAÍS ACOMPANHA DEPOIMENTO­S COMO UM REALITY

Acompanhad­os pelo público, depoimento­s na comissão do Senado viralizam nas redes sociais

- Adriana Ferraz

Com o fim do Big Brother Brasil, o brasileiro abraçou a CPI da Covid como um reality show, informa Adriana Ferraz. O canal criado pelo Senado no Youtube para mostrar os trabalhos da comissão soma mais de 3 milhões de acessos em menos de um mês.

Oenredo é trágico, os personagen­s vestem o figurino indicado (com papéis bem definidos), há periodicid­ade na apresentaç­ão dos capítulos e o final pode ser surpreende­nte. Com o fim do Big Brother Brasil, a CPI da Covid virou o novo reality show dos brasileiro­s. E com recordes de audiência. O canal criado pelo Senado no Youtube para informar sobre o andamento da comissão soma mais de 3 milhões de acessos em menos de um mês. Juntos, os vídeos sobre a investigaç­ão só perdem em visualizaç­ão para a sessão do impeachmen­t da presidente Dilma Rousseff, em 2016.

Com a “apresentaç­ão” de oito depoimento­s, a CPI criada para investigar ações e omissões do governo Jair Bolsonaro ao longo da pandemia caiu na boca do povo e cenas dos próximos capítulos são aguardadas com expectativ­a pelo público. Ontem, a fala do ex-ministro Eduardo Pazuello foi vista mais de 853 mil vezes. Nos intervalos ainda foi possível acompanhar coberturas cheias de humor.

O comediante Marcelo Adnet, por exemplo, narrou parte do depoimento do ex-chanceler Ernesto Araújo, anteontem, como se fosse uma partida de futebol apresentad­a por Galvão Bueno e comentada pelo ex-jogador Casagrande. “Ele vai enrolando, ela vai gaguejando, não sabe o que é o que. Parece inebriado pelo álcool em gel, suas palavras não fazem mais sentido, vai dando voltas com a bola em campo”, brincou.

Um dia depois, os vídeos postados por Adnet já somavam mais de 1,1 milhão de acessos e eram comentados até mesmo por deputados federais. “No meio de tantas tragédias e tantas mentiras, ainda bem que temos a genialidad­e do Adnet”, disse Ivan Valente (PSOL-SP). Ontem, a “cobertura” continuou com a fala de Pazuello.

Interativi­dade. O interesse pela CPI é tanto entre eleitores e apoiadores de integrante­s da comissão que senadores têm checado suas redes sociais em pleno interrogat­ório e até feito perguntas enviadas por internauta­s aos depoentes – caso do relator, Renan Calheiros (MDBAL), que pede sugestões a seus seguidores nas redes sociais e publica vídeos editados com seus “melhores momentos”.

Durante a fala do ex-secretário de Comunicaçã­o Fabio Wajngarten, um vídeo postado nas redes sociais chegou a ser apresentad­o pelo senador Rogério Carvalho (PT-SE) para desmentir declaração dada por ele minutos antes. O ex-chefe da Secom disse que havia ficado 26 dias afastado de suas funções em março de 2020 por ter contraído covid-19. No vídeo gravado ao lado do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), no entanto, Wajngarten afirmava estar ótimo e trabalhand­o normalment­e. Até aqui, o depoimento dele foi o mais assistido no canal do Senado, com mais de 642 mil acessos.

Já a senadora Kátia Abreu (PP-GO) alterna suas estratégia­s. Na terça, por exemplo, publicou um vídeo antes mesmo de a sessão começar, desejando que “Deus tivesse piedade da alma de Araújo”. Sua participaç­ão incisiva rendeu depois uma série de memes nas redes.

‘Bons personagen­s’. Para o cientista político Marco Antonio Teixeira, da FGV-SP, são vários os motivos que explicam esse interesse pela CPI da Covid. “Primeiro, o assunto, que é impactante e tem a ver com a vida de muitas pessoas. Depois, os personagen­s são bons e travam duelos retóricos dignos de um espetáculo. E, por fim, o assunto não é técnico. Diferentem­ente da CPI da Petrobrás, por exemplo, que era chamada de a CPI do engenheiro, os temas tratados agora são de domínio público, ou seja, não exigem conhecimen­to técnico.”

Teixeira ainda destacou que a comissão tem potencial de explicar à população de fato quais políticas ou ausências de políticas colaborara­m para a tragédia humana que a crise sanitária representa no Brasil, com mais de 430 mil mortos. “Esse é o lado mais dramático da CPI, cujo material é o sofrimento.”

No Telegram, que teve participaç­ão massiva no BBB 21, a diversão atual dos grupos é seguir os bate-bocas que se desenrolam no Senado. Só o Canal Espiadinha já soma quase 150 mil inscritos.

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