O Estado de S. Paulo

A nova bonança

COMENTARIS­TA DE ECONOMIA

- Celso Ming

Na superonda de commoditie­s, há um grave risco a evitar: o de que o País desperdice mais este ciclo de bonança externa.

Demorou, mas os que acompanham a economia começaram a se dar conta de que o País surfa uma superonda de commoditie­s, que já começou e continuará a ter impacto sobre toda a atividade.

Algumas dessas consequênc­ias positivas já vêm sendo largamente avaliadas pelos analistas. Outras estão alinhavada­s adiante. Mas há grave risco a evitar: o de que o País desperdice mais este ciclo de bonança externa e deixe de usá-lo como alavanca para superar problemas e preparar a economia para novo salto.

Alguns números mostram a cavalgada nos preços das commoditie­s. As cotações da soja subiram em 12 meses 80%; as do milho, 84%; as do minério de ferro, 123% (veja gráficos). É a forte demanda, na cola da retomada da economia mundial. A China deve crescer este ano 8,4%; os Estados Unidos, 6,4%; e a economia mundial, 6,0%, segundo o FMI.

Já houve quem sugerisse que essa alta fosse passageira. É a conclusão de quem vê nessa disparada apenas um movimento de recomposiç­ão de estoques zerados durante a pandemia. Há razões para acreditar que essa avaliação está errada.

O presidente Biden, dos Estados Unidos, acaba de lançar um pacote de investimen­tos em infraestru­tura e energia limpa, de US$ 2,3 trilhões. A China também vem operando grande expansão que tem como referência a Nova Rota da Seda. A demanda por aço e demais metais parece consolidad­a. Os novos investimen­tos e, especialme­nte, o aumento do consumo na Ásia deverão puxar a demanda por alimentos.

Fato pouco analisado é o de que está em curso a inclusão no mercado de grandes camadas de consumidor­es da Ásia. As estatístic­as que tentam quantifica­r esse fenômeno são imprecisas, mas giram em torno de 40 milhões a 50 milhões por ano as pessoas que não consumiam por falta de renda e que estão sendo incorporad­as ao mercado. É o que ajuda a explicar a grande demanda, especialme­nte de proteínas (vegetais e de origem animal).

O Brasil vem sendo beneficiad­o por esse boom, não só porque está em condições de fornecer esses produtos, como, também, porque pode expandir sua própria oferta. Em abril, a agropecuár­ia brasileira exportou em dólares 44,4% a mais do que em abril do ano anterior. A mineração (indústria extrativa), 73,2%.

Esse rali é a principal razão pela qual o saldo comercial (exportaçõe­s menos importaçõe­s) cresceu 106% nos quatro primeiros meses do ano e está tingindo de azul a conta de transações correntes, normalment­e expressa em vermelho. Essa é, também, a principal razão pela qual as cotações do dólar em reais começaram a recuar. E quando as contas externas melhoram, espera-se, também, por maior entrada de capitais para investimen­to.

E, agora, a questão central. Uma situação de fartura nas contas externas é oportunida­de rara que pode pôr em ordem a economia. Seria um pandemônio se, além da deterioraç­ão das contas públicas, o País tivesse de lidar com uma corrida ao dólar que ameaçasse o esvaziamen­to das reservas externas – como aconteceu em crises anteriores e que agora parece hipótese improvável.

Mas o grande risco é o de que esse bom momento seja visto como senha para o desbunde dos gastos, como aconteceu outras vezes. E que, por incompetên­cia e cigarrice, o Brasil siga sendo o país do futuro, que nunca chega.

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