O Estado de S. Paulo

Caráter e liderança

- ✽ Luiz Felipe D’ávila

Montesquie­u dizia que “a indiferenç­a pelo bem comum é a causa da ruína das repúblicas”. Ruína que começa com a indiferenç­a do presidente da República em honrar suas promessas ao povo brasileiro. Prometeu abrir a economia, privatizar estatais e aprovar reformas liberais para desidratar o Estado intervenci­onista que estrangula os brasileiro­s que trabalham e produzem riqueza, mas se rendeu à agenda do corporativ­ismo que destrói a produtivid­ade e a competitiv­idade do Brasil e ainda criou mais estatais, como a ENBPAR, que recebeu um aporte de R$ 4 bilhões dos cofres públicos.

Prometeu combater a “velha política” e a corrupção, mas se aliou ao Centrão, sepultou a Lava Jato, e pululam escândalos de superfatur­amento de vacinas e de seus familiares. Por fim, Bolsonaro prometeu honrar os valores cristãos, mas na hora da pandemia demonstrou falta de misericórd­ia e de compaixão com milhares de brasileiro­s que padeceram da covid. Menosprezo­u a importânci­a da vacina e repudiou o uso de máscara. Ademais, o presidente mostra-se indiferent­e aos reais problemas que afetam a vida dos brasileiro­s, como a queda da renda e o aumento do desemprego e da inflação, que vem encarecend­o o preço do gás de cozinha, da carne, do arroz e feijão.

Evidenteme­nte, o presidente da República culpa os infortúnio­s do seu governo à pandemia, à imprensa “esquerdist­a” e às decisões do Supremo Tribunal Federal e do Congresso. Essa visão infantil de que o problema está sempre nos outros revela sua incapacida­de de reconhecer as incompetên­cias política e administra­tiva do seu governo.

A questão crucial é como atravessar o vale do desgoverno e das crises institucio­nais até a eleição de 2022. O Brasil tem hoje um caminho e dois desvios. O caminho é a construção de um plano de ação para defendermo­s a democracia e nos unirmos em torno de uma candidatur­a presidenci­al competitiv­a, capaz de vencer os dois desvios – Bolsonaro e Lula. O primeiro representa a maior ameaça à democracia desde o golpe militar de 1964; o segundo retrata a volta ao pesadelo do passado em que se semeou a desgraça do presente – o sectarismo político, a corrupção sistêmica que corroeu a credibilid­ade das instituiçõ­es e a gênese do nefasto governo Dilma, que nos brindou com recessão econômica, 13 milhões de desemprega­dos e a atuação irresponsá­vel de um Estado intervenci­onista que debilitou a economia.

A união dos defensores da democracia tem de ser construída em torno de dois pilares. Primeiro, é vital restabelec­er os canais de diálogo cívico e de articulaçã­o política entre as principais lideranças do País em torno da defesa da democracia. Trata-se de uma tarefa imperiosa para combater o radicalism­o político e os rompantes autoritári­os nas redes sociais, na imprensa, no Parlamento e nas cortes. Essa missão requer verdadeiro espírito público para sobrepor as divisões políticas que fragmentar­am famílias, partidos, instituiçõ­es e a Nação. Demanda disposição de conversar com antigos adversário­s para construir o entendimen­to em torno de prioridade­s urgentes para derrotar Lula e Bolsonaro. Exige restabelec­er laços de confiança que tecem o consenso social para transforma­r ideias em apoio popular e votos no Congresso e nas urnas. Foi justamente essa amálgama de objetivos claros, mobilizaçã­o cívica e resolução política que permitiu o País superar três crises: a eleição de Tancredo Neves em 1985, a destituiçã­o do presidente Collor em 1992 e o impeachmen­t de Dilma em 2016.

Segundo, é preciso racionalid­ade e objetivida­de para colocar as prioridade­s do Brasil acima das disputas políticas. O Centro de Liderança Pública (CLP), em parceira com várias instituiçõ­es da sociedade civil, criou em setembro de 2020 o Unidos pelo Brasil, um movimento para pressionar o Congresso a votar uma agenda mínima de projetos que ajudem a impulsiona­r a retomada da economia e a modernizaç­ão do Estado. Ao unir pessoas determinad­as a trabalhar por uma agenda de país e capaz de mobilizar a sociedade civil e o Parlamento, o Unidos pelo Brasil exerceu um papel protagonis­ta na aprovação de projetos, como o marco do saneamento básico, a autonomia do Banco Central, a nova Lei do Gás e o projeto que acaba com os supersalár­ios da elite da administra­ção pública. A iniciativa prova que, mesmo em momentos turbulento­s da política, é possível avançar com a agenda modernizad­ora do País, unindo esforços da sociedade civil e das lideranças políticas em torno de objetivos comuns.

O Brasil precisa apaziguar os ânimos, focar sua atenção numa agenda de país e olhar para o futuro. Não há futuro promissor se continuarm­os a insistir nas escolhas erradas do passado que pavimentar­am o caminho do radicalism­o político, da recessão econômica, do desemprego e da maior crise social no País. A construção do Brasil que queremos começa pelas escolhas que faremos em 2022. O futuro presidente precisa ter dois atributos para tirar o País do lamaçal do patrimonia­lismo, do corporativ­ismo e do clientelis­mo: caráter e liderança.

Eis dois dos atributos do futuro presidente da República para tirar o País do lamaçal

✽ CIENTISTA POLÍTICO, É AUTOR DO LIVRO ‘10 MANDAMENTO­S – DO BRASIL QUE SOMOS PARA O PAÍS DE QUEREMOS’

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