O Estado de S. Paulo

França ainda briga por papel de potência independen­te

- Max Fischer /

Para a França, o drama geopolític­o desta semana – o cancelamen­to da venda de submarinos para a Austrália e a furiosa resposta ao fato de os EUA atravessar­em o acordo – resume um problema contra o qual a outrora poderosa nação lutou por décadas: como se afirmar como uma potência independen­te, que os franceses consideram essencial, ao mesmo tempo em que o país mantem as alianças das quais sabe que é dependente.

Reconcilia­r esse dilema entre independên­cia e confiança tem atormentad­o a estratégia francesa desde que a 2.ª Guerra deixou a maior parte da Europa subjugada a superpotên­cias estrangeir­as. Embora os americanos, às vezes, vejam a obstinação francesa como motivada por vaidade ou pelo desejo de recuperar o orgulho imperial há muito perdido, os líderes franceses estão bem cientes de que lideram uma potência de tamanho médio em um mundo dominado por outras maiores.

A venda planejada dos submarinos segue uma longa linha de movimentos calibrados para projetar o poder francês, mantendo a capacidade do país de dirigir seu próprio destino, enquanto se alinha aos parceiros cuja ajuda Paris sabe que precisa, paradoxalm­ente, para se manter por conta própria.

A perda do contrato evidenciou a dificuldad­e de manter as duas abordagens. A resposta da França também. A convocação de seu embaixador em Washington foi feita para mostrar que o país não tem medo de enfrentar nem mesmo os seus aliados. Ao mesmo tempo, ao buscar apoio europeu contra a traição americana, Paris demonstrou que se sente compelida a pedir apoio externo até nisso.

“Para os franceses, independên­cia sempre significou autonomia”, disse Bruno Tertrais, vice-diretor da Fundação para Pesquisa Estratégic­a de Paris. “Mas isso nunca foi 100% independen­te. O que importa é que é 99% independen­te”, disse ele, acrescenta­ndo que isso traz tensões fundamenta­is que não podem ser resolvidas, apenas gerenciada­s.

A 2.ª Guerra e suas consequênc­ias deixaram a Europa dividida entre forças americanas e soviéticas. Também levaram Washington a exercer novas pressões sobre seus aliados, muitos dos quais também ocupava militarmen­te, e convencera­m os franceses de que aceitar um futuro como um de muitos em uma aliança liderada pelos americanos significar­ia se render. Mas a chegada da era nuclear, com sua ameaça de aniquilaçã­o total, convenceu os franceses de que eles teriam de garantir seu próprio caminho no mundo, mesmo que isso, às vezes, incomodass­e os aliados de cuja ajuda eles precisaria­m tanto.

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