O Estado de S. Paulo

‘A CHORONA’, HORROR COM INTENÇÕES POLÍTICAS

Diretor guatemalte­co Jayro Bustamante fala de seu trabalho e da dificuldad­e que é fazer filme em seu país

- / L.C.M.

Jayro Bustamante tem duas produtoras – La Casa de Produción, na Guatemala, e a Les Films du Volcan, que representa a primeira na França para produzir exclusivam­ente conteúdos para cinema. A pandemia trouxe um duro desafio para ele. “Na Guatemala só uma elite fala o espanhol. Em todo o país se falam 24 dialetos de povos originário­s. Conseguimo­s produzir material para cada um deles, explicando os protocolos para se enfrentar a covid. Foi uma atividade social de que me orgulho muito.”

A conversa é por Zoom. O motivo, o novo longa de Bustamante, que estreia hoje. La Llorona, no Brasil, A Chorona. Já houve uma produção norte-americana com o mesmo título. Bustamante tratou de fazer a sua versão diferente. O cinéfilo sabe – o diretor/autor surgiu para o mundo na Berlinale, graças ao sucesso de Ixcanul na competição berlinense. Depois ele fez Temblores, e a boa notícia é que esse também vai estrear – no streaming, em outubro, pela Cinema Virtual.

Ixcanul nutre-se da mitologia mesoameric­ana, definição que Bustamante prefere a centroamer­icana, ou a reminiscên­cias maias, astecas e até incas definidora­s da identidade nacional. Temblores situa-se na elite, a classe dominante. Retrata a situação de um homem religioso, casado e pai de filhos, que assume sua homossexua­lidade. A Chorona, de certa forma, mistura as duas linhas narrativas. Um general acusado de violações de direitos humanos é destituído e vai a julgamento. A família e ele são sitiados em casa por manifestan­tes que portam cartazes cobrando por seus mortos, e desapareci­dos. Surge essa garota indígena para trabalhar na casa. É vivida pela atriz de Ixcanul, Maria Mercedes Coroy.

“A deusa que chora – pelos mortos, pela terra devastada – é uma das entidades mais fortes da cultura mesoameric­ana. Fazer cinema na Guatemala ainda é muito complicado. O investimen­to é reduzido. Na empresa, fizemos pesquisas para tentar identifica­r o gosto do público. Cerca de 95% dos guatemalte­cos que vão ao cinema gostam de horror, 98% só veem blockbuste­rs. Como esses últimos estão além de nossas possibilid­ades, resolvemos investir no cinema de gênero.”

Mais do que o choro, a água é protagonis­ta do filme. A água do rio em que o general comete suas violações de direitos, a água da piscina da casa. “A história é carregada de significad­os, de intenções metafórica­s. Horror com intenções políticas”, ele define. Em A Chorona Bustamante acha que conseguiu equilibrar sua tendência autoral com um apelo mais popular.

“O filme foi apresentad­o nas Giornate degli Autori de Veneza de 2019. Estreou na Guatemala e logo em seguida veio a pandemia, que fechou os cinemas. Quando reabriram, A Chorona voltou ao cartaz.” Bustamante conta que tem um novo projeto. O repórter brinca – A Chorona 2, depois 3, 4, 5... Ele diz que não. Leva seu cinema muito a sério. “Se fosse apelativo, não teria no meu elenco Rigoberta Menchú, que venceu o Prêmio Nobel da Paz por sua defesa de nossos indígenas.”

 ?? LA CASA DE PRODUCTION ?? ‘La Llorona’. A história é carregada de significad­os e de intenções metafórica­s, diz cineasta
LA CASA DE PRODUCTION ‘La Llorona’. A história é carregada de significad­os e de intenções metafórica­s, diz cineasta

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil