O Estado de S. Paulo

Inclusão como urgência

- Flavio Soares de Barros ADMINISTRA­DOR, É DOUTOR EM RELAÇÕES INTERNACIO­NAIS

As empresas precisam ir além do tokenism, a contrataçã­o simbólica de pessoas de grupos minoritári­os, e da promoção de palestras e workshops sobre inclusão e racismo – muitas vezes por causa de ações trabalhist­as –, e passar a atuar efetivamen­te na inclusão de pessoas negras em todos os níveis hierárquic­os, pelo bem do País.

Olhe ao redor. Quantas pessoas negras, homens ou mulheres, ocupam cargos de diretoria? A pergunta também pode ser dirigida às redações, ao Judiciário, etc.

A justificat­iva é sempre a qualidade da educação. No entanto, as disparidad­es de renda e riqueza, cada vez maiores e mais pronunciad­as, afetam o desempenho escolar e se refletem no acesso a oportunida­des. Assim, as fraturas econômicas e raciais que se perpetuam na sociedade brasileira não podem ser amenizadas apenas por esse fator.

É fato que a exclusão deste grupo prejudica a geração de riqueza. O artigo The allocation of talent and U.S. economic growth (HSIEH, ChangTai et al., 2019), com base na redução da discrepânc­ia entre a proporção de mulheres e pessoas negras na população estadunide­nse e na presença desses grupos em posições altamente qualificad­as, conclui que, à medida que essa distribuiç­ão se aproxima da composição da população, há um efeito positivo no PIB. A inclusão, portanto, beneficia o conjunto da sociedade.

As lideranças precisam estar prontas para agir em prol da inclusão. São necessária­s medidas reais de mudança, com base na compreensã­o da realidade e das demandas da população negra, contando, inclusive, com a participaç­ão de parcerias institucio­nais e do movimento negro.

Os passos necessário­s, além da atração de talentos, incluem preparação, plano de carreira, letramento das equipes e, principalm­ente, o compromiss­o da empresa com a inclusão.

Não basta promover o acesso inicial. É necessário garantir às pessoas negras a complement­ação de eventuais lacunas na educação e na formação para o trabalho. Em sua maioria egressas da escola pública, elas necessitam de mentoria específica e apoio para que talentos aflorem.

É indispensá­vel garantir que tanto jovens como profission­ais mais experiente­s permaneçam na empresa e que haja sua inserção progressiv­a nos cargos mais altos. O treinament­o e a conscienti­zação das equipes sobre racismo, em todos os níveis, devem assegurar que as pessoas negras se sintam parte do ambiente corporativ­o.

O comprometi­mento da organizaçã­o, desde a sua base, passando pelos cargos intermediá­rios e chegando à alta direção, deve ser efetivo. Adotar o discurso da diversidad­e mantendo uma composição da diretoria que não reflita essa preocupaçã­o ou não remover obstáculos à progressão na carreira – muitas vezes difíceis de identifica­r sem auxílio externo – não são compatívei­s com o enfrentame­nto da desigualda­de.

A questão demanda o engajament­o do ecossistem­a como um todo, inclusive com a exigência do mesmo compromiss­o em relação aos stakeholde­rs externos.

O tema não pode ser reduzido à preocupaçã­o com representa­tividade ou imagem. Empresas com indicadore­s ambientais, sociais e de governança corporativ­a (ESG) mais altos, por exemplo, perderam menos durante a pandemia e apresentam desempenho melhor.

O investimen­to em inclusão nas empresas não pode, portanto, ter um caráter beneficent­e. É um esforço que a sociedade precisa assumir, simultanea­mente à melhoria da educação no longo prazo. Inclusão é urgência. Não pode ser uma esperança irrealizáv­el.

Frequentem­ente, a adoção de medidas de equidade é vista como uma distorção da “meritocrac­ia” ou como indução de “ineficiênc­ia”. Esse questionam­ento precisa ser endereçado a outras situações. Como para a foto que circulou há pouco tempo nas redes sociais exibindo a equipe de uma empresa quase exclusivam­ente branca e masculina. Não foi um exemplo de color blindness.

No Brasil, a segregação formal não foi necessária. A exclusão ocorre por meios muito mais eficientes, dissimulad­os ou tácitos, mas com resultados ruidosos. No entanto, mais e mais pessoas negras talentosas estão estudando e ingressand­o no mercado de trabalho – o que desmente o livro de Thomas Sowell sobre ações afirmativa­s. Essas pessoas estão prontas para contribuir com a melhoria do País.

Os efeitos prejudicia­is da desigualda­de para a sociedade e para as gerações futuras faz com que este problema deva ser enfrentado agora, o que precisa levar em conta a disputa implícita por espaços de poder.

Um poema do poeta e jornalista Oswaldo de Camargo começa assim: “Minha vida seria muito diferente se eu não tivesse, quando pequeno, aprendido a tocar oboé”. Uma oportunida­de muda uma vida. O processo real de inclusão nas empresas pode começar a mudar o País.

Antes que Morgan Freeman seja invocado, já que 20 de novembro está próximo: não falar sobre uma doença não faz com que ela desapareça. Líderes que se dizem “daltônicos” em relação à raça apenas reproduzem as práticas racistas. Elas precisam ser abandonada­s de uma vez por todas. •

Pelo bem do País, as empresas têm de passar a atuar efetivamen­te para incluir pessoas negras em todos os níveis hierárquic­os

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