UE ameaça bloquear fundos após retrocesso democrático na Polônia
Crise se agravou depois que Tribunal Constitucional polonês decidiu que algumas leis do país estão acima da Justiça europeia, o que ameaça os fundamentos do bloco
A disputa entre Polônia e União Europeia desencadeou uma crise que ameaça as instituições do bloco. No centro da discórdia está a decisão do Tribunal Constitucional polonês, abarrotado de juízes leais ao governo nacionalista e antieuropeu, de colocar algumas leis polonesas acima do arcabouço jurídico da Europa. Os timoneiros da UE, especialmente Alemanha e França, ameaçam reter bilhões de euros que seriam destinados a Varsóvia.
Para a maioria dos paísesmembros, os governos nacionalistas conservadores e de caráter autoritário, como na Polônia e na Hungria, ameaçam os valores liberais sobre os quais foram erguidos os pilares da UE. “Essa crise é muito maior do que a crise do euro, o Brexit ou a de migração, pois mina a fundação do bloco como um todo”, afirmou Heather Grabbe, diretora do Open Society European Policy Institute. “E isso também mina a democracia, pois não pode existir democracia sem estado de direito.”
A disputa tomou conta da agenda da cúpula de presidentes, premiês e chanceleres europeus que começou ontem. Depois da gritaria de vários governos, o tema do estado de direito foi adicionado de última hora à pauta da reunião, e alguns líderes criticaram abertamente os poloneses, pedindo uma resposta contundente.
Por anos, os principais líderes da UE resmungaram um certo descontentamento em relação aos países do Leste Europeu que se afastaram do compromisso com as regras democráticas que assumiram ao serem aceitos no bloco. Nas capitais europeias, ninguém engoliu direito as restrições à liberdade de imprensa e os ataques ao Judiciário promovidos na Polônia. A chiadeira também foi generalizada quando o premiê húngaro, Viktor Orbán, usou ferramentas democráticas para consolidar seu poder.
Em 2004, a UE promoveu a maior expansão de sua história, aceitando Polônia, Hungria e outros oito países, a maioria do Leste Europeu, que viveram sob a órbita soviética durante meio século de Guerra Fria e não tinham uma longa tradição democrática.
Polônia e Hungria, particularmente, sempre consideraram a UE mais um meio de expandir oportunidades econômicas do que um farol a ser seguido na direção da democracia, segundo pesquisas de opinião feitas pelo bloco. Por isso, muitos governos da UE começaram a usar o dinheiro – e a ameaça de cortar esses recursos – como a ferramenta mais efetiva contra esses desvios democráticos.
A Comissão Europeia, o braço Executivo da UE, já suspendeu cerca de US$ 42 bilhões em financiamentos e empréstimos para a Polônia, oriundos do fundo europeu para recuperação da pandemia. No mês passado, o organismo pediu ao Tribunal Europeu de Justiça que imponha multas diárias ao governo polonês por não acatar suas determinações.
Depois da mais recente disputa, alguns países exigem que a Comissão Europeia vá além e adote um novo mecanismo, nunca antes usado, que permite à UE bloquear fundos destinados a países que não preservam o estado de direito, o que poderia congelar outros bilhões de euros destinados à Polônia, a maior beneficiária do dinheiro do bloco.
A Polônia deve receber mais de 170 bilhões de euros para projetos climáticos, 135 bilhões em subvenções e 33 bilhões em empréstimos, além de 72,2 bilhões de fundos da política de coesão da UE, de acordo com o orçamento aprovado para os próximos sete anos.
Enquanto enche os cofres com dinheiro da Europa, o partido conservador Lei e Justiça (PiS), que governa a Polônia desde 2015, aprova leis antiaborto, políticas que restringem os direitos LGBT, loteia o Judiciário com aliados políticos e transforma os meios de comunicações públicos em ferramentas de propaganda do governo.
“Se a UE não responder contundentemente, arrisca perder sua credibilidade entre os poloneses e outros países-membros, onde cidadãos poderiam ficar insatisfeitos por seus impostos financiarem regimes autoritários”, disse Heather Grabbe.
Alvo econômico Polônia considera a UE mais um meio de obter ganhos econômicos do que um farol a ser seguido