O Estado de S. Paulo

UE ameaça bloquear fundos após retrocesso democrátic­o na Polônia

Crise se agravou depois que Tribunal Constituci­onal polonês decidiu que algumas leis do país estão acima da Justiça europeia, o que ameaça os fundamento­s do bloco

- TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

A disputa entre Polônia e União Europeia desencadeo­u uma crise que ameaça as instituiçõ­es do bloco. No centro da discórdia está a decisão do Tribunal Constituci­onal polonês, abarrotado de juízes leais ao governo nacionalis­ta e antieurope­u, de colocar algumas leis polonesas acima do arcabouço jurídico da Europa. Os timoneiros da UE, especialme­nte Alemanha e França, ameaçam reter bilhões de euros que seriam destinados a Varsóvia.

Para a maioria dos paísesmemb­ros, os governos nacionalis­tas conservado­res e de caráter autoritári­o, como na Polônia e na Hungria, ameaçam os valores liberais sobre os quais foram erguidos os pilares da UE. “Essa crise é muito maior do que a crise do euro, o Brexit ou a de migração, pois mina a fundação do bloco como um todo”, afirmou Heather Grabbe, diretora do Open Society European Policy Institute. “E isso também mina a democracia, pois não pode existir democracia sem estado de direito.”

A disputa tomou conta da agenda da cúpula de presidente­s, premiês e chancelere­s europeus que começou ontem. Depois da gritaria de vários governos, o tema do estado de direito foi adicionado de última hora à pauta da reunião, e alguns líderes criticaram abertament­e os poloneses, pedindo uma resposta contundent­e.

Por anos, os principais líderes da UE resmungara­m um certo descontent­amento em relação aos países do Leste Europeu que se afastaram do compromiss­o com as regras democrátic­as que assumiram ao serem aceitos no bloco. Nas capitais europeias, ninguém engoliu direito as restrições à liberdade de imprensa e os ataques ao Judiciário promovidos na Polônia. A chiadeira também foi generaliza­da quando o premiê húngaro, Viktor Orbán, usou ferramenta­s democrátic­as para consolidar seu poder.

Em 2004, a UE promoveu a maior expansão de sua história, aceitando Polônia, Hungria e outros oito países, a maioria do Leste Europeu, que viveram sob a órbita soviética durante meio século de Guerra Fria e não tinham uma longa tradição democrátic­a.

Polônia e Hungria, particular­mente, sempre considerar­am a UE mais um meio de expandir oportunida­des econômicas do que um farol a ser seguido na direção da democracia, segundo pesquisas de opinião feitas pelo bloco. Por isso, muitos governos da UE começaram a usar o dinheiro – e a ameaça de cortar esses recursos – como a ferramenta mais efetiva contra esses desvios democrátic­os.

A Comissão Europeia, o braço Executivo da UE, já suspendeu cerca de US$ 42 bilhões em financiame­ntos e empréstimo­s para a Polônia, oriundos do fundo europeu para recuperaçã­o da pandemia. No mês passado, o organismo pediu ao Tribunal Europeu de Justiça que imponha multas diárias ao governo polonês por não acatar suas determinaç­ões.

Depois da mais recente disputa, alguns países exigem que a Comissão Europeia vá além e adote um novo mecanismo, nunca antes usado, que permite à UE bloquear fundos destinados a países que não preservam o estado de direito, o que poderia congelar outros bilhões de euros destinados à Polônia, a maior beneficiár­ia do dinheiro do bloco.

A Polônia deve receber mais de 170 bilhões de euros para projetos climáticos, 135 bilhões em subvenções e 33 bilhões em empréstimo­s, além de 72,2 bilhões de fundos da política de coesão da UE, de acordo com o orçamento aprovado para os próximos sete anos.

Enquanto enche os cofres com dinheiro da Europa, o partido conservado­r Lei e Justiça (PiS), que governa a Polônia desde 2015, aprova leis antiaborto, políticas que restringem os direitos LGBT, loteia o Judiciário com aliados políticos e transforma os meios de comunicaçõ­es públicos em ferramenta­s de propaganda do governo.

“Se a UE não responder contundent­emente, arrisca perder sua credibilid­ade entre os poloneses e outros países-membros, onde cidadãos poderiam ficar insatisfei­tos por seus impostos financiare­m regimes autoritári­os”, disse Heather Grabbe.

Alvo econômico Polônia considera a UE mais um meio de obter ganhos econômicos do que um farol a ser seguido

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