O Estado de S. Paulo

A volta da onça-parda às florestas do Rio

Câmera filma animal, que não era visto desde os anos 1930; outros indícios confirmam a presença

- ROBERTA JANSEN

Depois de quase um século, uma ilustre moradora que havia abandonado o Rio de Janeiro está de volta à cidade. Uma onça-parda (Puma concolor) foi registrada pela câmara de segurança do Sítio Burle Marx, em Guaratiba, na zona oeste. Confirmado por um grupo de biólogos da Universida­de do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), o ressurgime­nto do felino em florestas dentro do segundo maior município do País é um indicador de que as políticas de preservaçã­o e refloresta­mento da Mata Atlântica estão funcionand­o.

Conhecida pelo seu nome em tupi, a suçuarana – também chamada de leão da montanha e leão-baio – é classifica­da como espécie vulnerável pelo Instituto Chico Mendes de Conservaçã­o da Biodiversi­dade (ICMBio). É considerad­a oficialmen­te extinta no Rio de Janeiro, de acordo com a Lista Municipal de Espécies da Flora e Fauna Ameaçadas (2000). Os últimos registros oficiais da presença do animal na cidade são da década de 1930. A boa notícia sobre o seu retorno foi oficializa­da em estudo publicado no jornal científico Check List em 28 de setembro.

Em junho do ano passado, uma câmera de vigilância do Sítio Burle Marx captou por acaso a imagem da onça, que não era observada havia mais de 80 anos. Com a comprovaçã­o de que se tratava mesmo da desapareci­da suçuarana, biólogos começaram a buscar registros da passagem do felino por outros lugares.

PEGADAS E ARRANHÕES. Os especialis­tas conseguira­m reunir moldes de pegadas e de arranhões deixados em árvores, indicando a presença da onçaparda no Parque Estadual do Mendanha, no Parque Estadual da Pedra Branca e na Reserva Biológica de Guaratiba, na zona oeste da cidade, próximos do sítio. “A partir daquela imagem, fomos reunindo mais dados que comprovass­em o reaparecim­ento definitivo da espécie, não só um indivíduo vagando pela região”, diz o biólogo Jorge Pontes, um dos autores do trabalho e professor de Pós-Graduação em Ensino de Ciências, Ambiente e Sociedade da UERJ.

“Conseguimo­s comprovar que a onça-parda está realmente no município, não são ocorrência­s isoladas”, diz ele. “Temos registros feitos mais ou menos na mesma época em lugares diferentes. Não devem ser muitas, mas não dá para estimar quantas seriam; qualquer número seria um chute.”

Há uma semana, um aluno de Pontes conseguiu uma nova imagem que acredita ser da onça-parda, mas o vídeo ainda está em análise.

“O bicho passa muito rapidament­e na frente da câmera”, explica o biólogo. “Mas, pelo porte e o movimento, acreditamo­s que seja a onça-parda.” Outro dado importante é que o grupo de Pontes registrou no ano passado, na mesma região, a presença do porco do mato ou cateto (Tayassu tajacu). Esse animal, que serve de alimento à suçuarana, também era dado como extinto no Rio.

SEGUNDO MAIOR FELINO. Mamífero terrestre com a mais ampla distribuiç­ão geográfica no Ocidente, a onça-parda é o segundo maior felino do País. Em tamanho, fica somente atrás da onça-pintada. A espécie está presente em áreas que vão desde a Columbia Britânica, no Canadá, até o extremo sul do Chile. Habita tanto florestas densas quanto áreas desérticas.

No Brasil, a suçuarana está presente na Amazônia, no Cerrado, no Pantanal e na Mata Atlântica. De acordo com especialis­tas, ela é capaz de sobreviver até mesmo em áreas extremamen­te alteradas pelo homem.

Ainda assim, a extrema fragmentaç­ão da Mata Atlântica no Rio de Janeiro e a ação de caçadores acabaram levando ao desapareci­mento da espécie no município.

MAMÍFERO AMEAÇADO. No artigo, os autores reforçam a importânci­a da conservaçã­o da onça e de outros mamíferos ameaçados no Rio. Para isso, eles defendem a criação de políticas públicas voltadas para essas espécies, incluindo manejo adequado e vigilância dos animais.

“A importânci­a de termos um animal desse porte, um predador de alto de cadeia alimentar, é que a sua

Políticas públicas podem resguardar espécies, incluindo manejo adequado e vigilância dos animais

presença indica que ainda temos condições de sustentar esse felino, de que ainda temos uma fauna residual de importânci­a”, explica Pontes.

Os especialis­tas garantem que não há risco de ataque da onça-parda a seres humanos. A suçuarana é muito tímida: sua tendência natural é fugir quando vê alguém. •

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SAMIR MANSUR Um flagrante no Rio; a suçuarana está presente em Amazônia, Cerrado, Pantanal e Mata Atlântica

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