O Estado de S. Paulo

O que dizem os especialis­tas

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FELIPE SALTO, DANIEL COURI E VILMA PINTO Diretores da IFI

• A IFI mostrou que é possível aumentar os gastos sociais sem irresponsa­bilidade fiscal. Mas falta disposição para tomar as medidas corretas. O governo pretende mudar o teto de gastos. Mas, se o Bolsa Família passar dos atuais R$ 190 ao mês para R$ 250, com 16,3 milhões de famílias, o gasto ficaria em R$ 46 bilhões em 2022. O Orçamento prevê R$ 34,7 bilhões. Portanto, o teto seria cumprido com redução das despesas discricion­árias em cerca de R$ 10 bilhões.

Não haveria espaço para emendas de relator-geral, daí a proposta de waiver, nome bonito para furo no teto.

É consistent­e ampliar o Bolsa Família sob o teto. Cortes em gastos menos urgentes fechariam a equação. A contabiliz­ação correta dos precatório­s do Fundef entraria com mais R$ 16 bilhões.

Governos preferem gastar hoje e ajustar depois. Nada novo aqui. As regras fiscais existem justamente para proteger o futuro do vício imediatist­a.

Quando responsabi­lidade fiscal e social não andam de mãos dadas, há risco de populismo. Quem paga a conta é o pobre e o desemprega­do, porque não há cresciment­o sem estabilida­de política e respeito às regras do jogo.

GUILHERME TINOCO Especialis­ta em contas públicas

• Se confirmada­s essas alterações, poderemos afirmar, infelizmen­te, que o teto terá acabado. Os artifícios que estão sendo anunciados (gasto por fora do teto, “waivers”, calote nos precatório­s) são muito graves e minarão para sempre a credibilid­ade da regra. Depois disso, qual o incentivo do próximo presidente para voltar a cumprir a regra original em 2023? Nenhum.

O governo poderia, sim, ter criado condições para viabilizar o necessário reforço dos programas sociais: na verdade, teve até bastante tempo pra isso. Essa discussão dura há meses e, neste período, poderíamos ter feito a revisão de gastos obrigatóri­os, de subsídios, das emendas de relator. Não fizemos. Contudo, este caminho supostamen­te mais fácil não vem sem consequênc­ias, que serão muito negativas em todos os prazos.

No curto, teremos aumento no risco país e nos juros, desvaloriz­ação do câmbio, maior inflação e gasto com juros. No médio e no longo, teremos um país mais pobre, mais desorganiz­ado institucio­nalmente e que, na melhor das hipóteses, passará anos tentando reconstrui­r a sua credibilid­ade perdida.

ÉLIDA GRAZIANE PINTO Professora da FGV-SP e procurador­a de contas de São Paulo

• Não é justo atribuir ao programa Auxílio Brasil a responsabi­lidade pela perda de credibilid­ade do teto global de despesas primárias. O teto vintenário chega a cinco anos de vigência em 2021, com impasses que foram se acumulando desde sua criação.

Enquanto foram congelados os pisos em saúde e educação, houve a controvers­a capitaliza­ção de empresas militares, a persistênc­ia da cessão de margem fiscal do Executivo para os outros poderes e órgãos para além do prazo definido inicialmen­te e o uso de créditos extraordin­ários para pagar despesas previsívei­s no segundo ano da pandemia. O teto constrange­u o custeio de políticas públicas amplas, mas não conseguiu conter o trato balcanizad­o das emendas do Orçamento Secreto, tampouco enfrentou as renúncias fiscais.

Nesse sentido, não devemos temer a revisão do teto, até porque ele já foi excetuado em relação à repartição federativa dos recursos da cessão onerosa do pré-sal e à ampliação da complement­ação federal ao Fundeb (Emendas 102/2019 e 108/2020), assim como foi alterado o critério de acionament­o dos gatilhos pela EC 109/2021.

LEANDRO FERREIRA Presidente da Rede Brasileira de Renda Básica

• Para funcionar bem, os mercados requerem estabilida­de. Regras claras, previsibil­idade e transparên­cia são bem-vindas e ajudam no desenvolvi­mento. Para os mais pobres, isso também é verdade, mas assistimos atônitos ao espetáculo da pobreza a cada episódio comovente de fome. Proteção social não combina com improvisaç­ão.

A necessidad­e de termos ampliações dos programas de garantia de renda está colocada desde o início da pandemia. O teto de gastos, as isenções tributária­s regressiva­s e mesmo o escândalo das emendas parlamenta­res não servirão a ninguém, se deixarmos para trás milhões de famílias destituída­s de renda.

Mais que possível, é preciso chegar a níveis de cobertura e valores de benefícios mais próximos do auxílio emergencia­l que do Bolsa Família, sem deixar de lado os aspectos positivos que este último comprovada­mente tem. Faltam planejamen­to e compromiss­o político para que as regras fiscais e tributária­s funcionem tendo a dignidade humana como prioridade. Está na hora de revê-las com este foco.

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