O Estado de S. Paulo

A cultura da divisão

- FABIO GIAMBIAGI ECONOMISTA

AArgentina era uma das nações mais ricas do mundo há um século, e hoje está na metade de baixo da “série B” mundial. Nos últimos 50 anos, foi governada por militares, pelos mais diversos tipos de peronismo e, recentemen­te, pelos liberais de Macri. De um modo geral, todas as gestões acabaram num fracasso colossal. Qualquer observador que analisar o enigma da decadência histórica dos hermanos concluirá que, talvez, parte do problema esteja representa­da pelos argentinos e sua incapacida­de de se colocar de acordo em relação a alguns consensos básicos.

À luz dessa introdução, convido o leitor a refletir acerca de uma questão: quais são os casos que lhe vêm à memória quando pensa em países que deram certo nos últimos 50 anos? Podemos pensar em alguns exemplos óbvios. Listemos alguns deles, sem ordem de relevância:

1) Alemanha. Com a unificação do país, converteu-se na “locomotiva europeia”, tendo um regime político em que, em alguns casos, os dois maiores partidos rivais chegaram a formar parte do mesmo governo;

2) Japão. No pós-guerra, foi um dos exemplos de desenvolvi­mento, que alcançou o auge nas décadas de 1970 e 1980. Embora depois tenha ingressado numa estagnação o fez num nível de renda muito elevado e com uma enorme faixa de consenso político;

3) Estados Unidos. É a economia mais poderosa do mundo, mercê, entre outras coisas, da adoção de um core de políticas nas quais os interesses nacionais prevalecer­am sobre as diferenças entre republican­os e democratas, até o surgimento do trumpismo;

4) China. Ainda que no contexto de um regime fechado, converteu-se no exemplo de políticas conduzidas com um sentido de unificação por um governo forte e representa­tivo do país, ainda que sabendo que grupos minoritári­os não estão representa­dos nele;

5) Coreia do Sul. Ali houve também um certo senso de unidade nacional, no sentido de que algumas políticas têm sido mantidas durante décadas, com destaque para a ênfase extraordin­ária na educação, a abertura ao exterior e o equilíbrio macroeconô­mico.

O denominado­r comum desses casos é o sentimento de unidade: o reconhecim­ento dos principais atores políticos de que há causas unificador­as. O contraste entre estes êxitos e o fracasso de países onde a cultura da divisão está muito enraizada é flagrante. Nos últimos anos, a política do Brasil se “argentiniz­ou”. O progresso do País requer um grande esforço de convergênc­ia. É o oposto do que temos feito. Deveríamos saber extrair lições disso. •

Reconhecim­ento Em países que deram certo, há o reconhecim­ento dos principais atores políticos de que há causas unificador­as

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