O Estado de S. Paulo

Congelamen­to na Argentina, de novo

Governo argentino insiste no inútil e desastroso controle artificial de preços, mau exemplo que pode ser contagioso

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Repetindo um erro bem conhecido, o governo argentino impôs mais um congelamen­to de preços, numa tentativa de conter uma das maiores ondas inflacioná­rias da atualidade. Os preços ao consumidor subiram 37% neste ano, até setembro, e podem fechar o ano com aumento de 48,2%, segundo projeção do mercado. Nos últimos três anos as taxas foram de 47,6%, 53,8% e 36,1%. Na América do Sul, só a Venezuela tem apresentad­o números piores, mas o desarranjo econômico venezuelan­o é um caso fora de todos os padrões.

A intervençã­o no sistema de preços é um velho costume do poder público argentino. Essa prática foi abandonada em outros países da região, depois de muitas experiênci­as fracassada­s e desastrosa­s. Na Argentina, as más experiênci­as parecem ter pouco afetado os critérios da administra­ção central.

As formas de controle podem variar, mas o intervenci­onismo é quase uma norma. De vez em quando, o governo proíbe ou dificulta exportaçõe­s de carnes e de outros alimentos, para reforçar o abastecime­nto. O resultado mais visível é a perda de receita comercial, com pouco efeito sobre os preços domésticos.

Em algumas ocasiões o controle se concentra em supermerca­dos e em grandes lojas, mas produtores e comerciant­es se adaptam ao jogo e desviam as vendas por outros canais. Em qualquer caso, o resultado é algum desarranjo no sistema de produção e de comerciali­zação. No período dos Kirchners – Néstor e sua mulher, Cristina –, a encenação de política anti-inflacioná­ria incluiu a intervençã­o nas estatístic­as, com escandalos­a sonegação de informaçõe­s ao público. As causas da inflação, enraizadas no desarranjo das contas públicas, na dívida pública interna e externa e no desajuste cambial, foram raramente atacadas com vigor.

Os programas de ajuste apoiados pelo Fundo Monetário Internacio­nal (FMI) têm resultado, há vários anos, em pouco avanço. Muito desarranja­da, a economia argentina encolheu 2,6% em 2018, 2,1% em 2019 e 9,9% em 2020. O cresciment­o de 7,5% estimado para este ano será insuficien­te para levar a atividade ao nível prépandemi­a. A inflação continua disparada, a pobreza aflige 40% da população e as perspectiv­as de recuperaçã­o econômica duradoura são escassas.

Pela nova política de congelamen­to, os preços têm de voltar ao nível de 1.º de outubro. Esse padrão deve permanecer como limite máximo até 7 de janeiro. Além disso, as empresas devem aumentar a produção até o “nível máximo de sua capacidade” e usar os “meios a seu alcance” para garantir a distribuiç­ão de produtos e evitar o desabastec­imento. O empresaria­do já advertiu: se houver perdas, os produtores deixarão de fabricar as mercadoria­s com preços congelados e o varejo será afetado, mas o governo promete estrito controle do cumpriment­o de suas ordens.

O fracasso de mais essa manobra autoritári­a é previsível, mas o exemplo argentino pode ser tentador para algumas autoridade­s brasileira­s, visivelmen­te dispostas, por exemplo, a interferir nos preços de combustíve­is e, talvez, de outros bens. O mau exemplo pode ser contagioso. •

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