O Estado de S. Paulo

‘Duna’ sob a ótica poética de Denis Villeneuve

Grande fã do livro, cineasta fez questão de ter o ator Timothée Chalamet como protagonis­ta da sua versão para as telas

- LINDSEY BAHR • TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZ­OU.

Denis Villeneuve era apenas um adolescent­e, muito antes de decidir ser cineasta, quando viu a capa do romance Duna, de Frank Herbert, de 1965, numa livraria. Ele tinha 14 anos e, obcecado por biologia, já havia aprendido que a ficção científica era uma forma de sonhar em grande escala.

Aí ele leu o livro e ficou hipnotizad­o pelo enredo poético e atmosféric­o sobre a jornada heroica de um jovem lidando com religião, política, destino, herança, meio ambiente, colonialis­mo e minhocas espaciais gigantes. “Virou uma obsessão”, disse Villeneuve, de 54 anos. E foi só o começo de um sonho de décadas que finalmente se tornou realidade com sua própria versão de Duna, já em cartaz nos cinemas brasileiro­s.

Villeneuve não é o primeiro cineasta a se atrever a fantasiar sobre como fazer Duna (leia abaixo), mas é o primeiro a ver sua visão realizada para satisfazer fãs e novatos.

Para um livro que inspirou tanta ficção científica nos últimos 50 anos, de Star Wars a Alien, as adaptações para o cinema têm se mostrado difíceis. Primeiro foi o quase mítico filme de Alejandro Jodorowsky, que seria estrelado por Mick Jagger, Orson Welles, Gloria Swanson e Salvador Dalí (descrito no documentár­io Jodorowsky’s Dune , de 2013). Tempos depois, a versão de David Lynch, de 1984, foi um fracasso comercial.

Duna parecia amaldiçoad­o até que os produtores Mary Parent e Cale Boyter adquiriram os direitos por meio da Legendary e descobrira­m que Villeneuve, que se estabelece­ra como um cineasta com aquela rara habilidade de fazer filmes intelectua­is em grande escala, era um fã de longa data. Aí surgiram os planos para fazer Duna mais uma vez, com orçamento de US$ 165 milhões.

“Meu filme não é um ato de arrogância. É um ato de humildade. Meu sonho era que um fã incondicio­nal de Duna tivesse a sensação de que eu tinha colocado uma câmera na sua mente”, afirmou o cineasta.

LIVRO FOI SUA BÍBLIA E BÚSSOLA. Villeneuve manteve a obra no set para que o espírito estivesse sempre presente e encorajava sua equipe e elenco a estudá-lo. E ele não se deixou intimidar pelas enormes expectativ­as. Afinal, foi ele quem fez a sequência de Blade Runner (embora esta seja outra história e ele ainda ache que foi uma má ideia, mesmo que a fizesse de novo, sem titubear). “Não vou dizer que Duna é uma tarefa impossível. Acho que é difícil. A criativida­de está ligada ao risco. Adoro pular sem rede de segurança. Faz parte da minha natureza.”

Parte da dificuldad­e estava em entregar um filme que agradasse a fãs e novatos. O primeiro passo foi convencer o estúdio de que seriam necessário­s dois filmes para contar a história toda. Embora tenham concordado, o segundo ainda precisa receber “luz verde” oficial.

Ele e os roteirista­s Jon Spaihts e Eric Roth simplifica­ram a estrutura para se concentrar em Paul Atreides, o jovem aristocrat­a cuja família assume o controle do perigoso planeta deserto Arrakis, lar do recurso mais valioso do universo, enquanto se agrava um conflito intergalác­tico entre famílias governante­s. Ele tinha apenas um nome em mente para o papel: Timothée Chalamet.

“Não existem muitos atores como Timothée. Ele possui uma alma antiga e, para um jovem da sua idade, tem maturidade impression­ante. Ao mesmo tempo, parece muito jovem diante das câmeras”, disse o diretor. E ele tem aquele carisma de “rock star” que dá credibilid­ade a sua evolução como uma figura messiânica que “levará o mundo ao caos”.

O filme está repleto de atores elogiados: Rebecca Ferguson no papel da mãe de Paul e Oscar Isaac como seu pai. Também traz Jason Momoa, Josh Brolin, Stellan Skarsgård, Javier Bardem, Charlotte Ramping, Zendaya.

“Estive em vários filmes de aventura que realmente tentam gerar muita emoção. Mas tem algo poético na forma como Villeneuve aborda esse filme e sua escala”, explicou Isaac. “Mesmo que haja explosões e minhocas gigantes, ele sempre olha para tudo através de suas lentes poéticas, que são uma coisa única para mim.”

ESTREIA ADIADA FOI POSITIVO.

Duna deveria chegar aos cinemas no ano passado, antes que a pandemia interrompe­sse os lançamento­s. Villeneuve aproveitou esse tempo em benefício do filme. “Foi muito bom ter a oportunida­de de deixar o filme dormir um pouco, depois fazê-lo despertar”, observou ele. “Se as pessoas não gostarem do filme, não tenho desculpas, pois tive tempo e recursos para fazê-lo.”

Dez meses depois, a estratégia de lançamento segue seu curso. “Estamos no meio de uma pandemia e essa realidade está distorcida agora, entendo perfeitame­nte que as pessoas não possam ir ao cinema ou tenham medo de ir. Respeito tudo isso e esta é a prioridade. A saúde é a prioridade”, disse Villeneuve. “Mas o filme foi feito, concebido, sonhado para ser visto na tela grande.”

O cineasta está grato pela oportunida­de de mostrar ao mundo pelo menos parte do que sonha há quase 40 anos. “Vivi os melhores momentos da minha vida fazendo Duna.”

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WARNER BROS. PICTURES Sharon Duncan-Brewster interpreta a pesquisado­ra Liet-Kynes, que coordena buscas em Arrakis

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