O Estado de S. Paulo

Fundadores das ‘Big Techs’ pulam do barco enquanto problemas crescem

Com o fim do encantamen­to e mais pressão regulatóri­a, os criadores das gigantes tecnológic­as trocam o comando dessas empresas por negócios longe da internet

- BRUNA ARIMATHEA GIOVANNA WOLF

Depois de seis anos, Jack Dorsey deixou no final de novembro o comando do Twitter, empresa que ele ajudou a fundar em 2006. Mais do que uma virada de página para a rede, o fim da gestão de Dorsey também encerra a era na qual as grandes empresas de internet contavam com o carisma e o pulso firme de seus fundadores. Agora, está estabeleci­da uma nova geração de chefões no mundo tecnológic­o, que tem pela frente o desafio de gerir grandes companhias em um contexto de menos encantamen­to e mais pressão regulatóri­a.

Antes de Dorsey, Jeff Bezos já havia deixado o comando da Amazon após 27 anos – o anúncio ocorreu em fevereiro. O bilionário decidiu se dedicar à empresa de exploração espacial Blue Origin. Já o fundador do Twitter também parece animado em deixar para trás o mundo da internet “tradiciona­l”. Dorsey se dedicará ao negócio das fintechs e criptomoed­as.

“Acho que é fundamenta­l que uma empresa possa se manter por conta própria, livre da influência ou direção de seu fundador”, disse Dorsey. Claro, o executivo pode estar pensando na saúde da empresa, mas o momento também é convenient­e para quem sai.

Nos últimos anos, a euforia com empresas de tecnologia foi silenciada por um escrutínio global. Mais do que apresentaç­ões glamourosa­s de produtos e balanços financeiro­s estupendos, os CEOs passaram a lidar com críticas envolvendo temas como privacidad­e e monopólio. A diversão virou dor de cabeça.

‘AVE RARA’.

Para especialis­tas, a troca de gestão é um processo natural e saudável para as companhias, seja qual for o mercado. “O empreended­or leva o negócio até um certo momento. Em um determinad­o ponto, ele não tem mais ambição de continuar desenvolve­ndo o negócio”, diz Marcelo Nakagawa, professor de empreended­orismo e inovação do Insper.

Esse processo de mudança de direção das Big Techs começou há alguns anos. Em 2019, Larry Page e Sergey Brin deixaram a Alphabet (holding do Google) para se dedicar a projetos futuristas longe da internet, como táxis-voadores.

No setor de tecnologia, transições como essa costumam chamar a atenção, porque criador e criatura tendem a ser vistos como uma coisa só. “Eles são fundadores de grandes companhias e acabam ficando famosos. Quando acontece uma troca, o barulho é grande”, diz Marcelo Pedroso, professor da FEA-USP.

No círculo das Big Techs, apenas uma ainda conserva na raiz a liderança de seu fundador: o Facebook. À frente de um conglomera­do de redes sociais e escândalos, Mark Zuckerberg se assemelha aos seus colegas na ambição de um projeto novo longe da internet comum – o metaverso –, mas não parece planejar uma saída.

Assim, Zuckerberg virou uma “ave rara” entre seus pares, o que nem sempre significa algo positivo. Para alguns especialis­tas, ele já carregaria uma certa aura de anacronism­o, além de atrapalhar o planejamen­to futuro da empresa.

NOVA DIREÇÃO.

Diante dessa ruptura, uma nova geração de CEOs surge no Vale do Silício. Parag Agrawal, diretor de tecnologia do Twitter, substituir­á Dorsey. Na Amazon, Bezos passou o bastão para Andy Jassy, que até então comandava a divisão de nuvem da varejista.

Já é possível perceber algumas caracterís­ticas dos novos chefões. Contrarian­do a geração dos “gênios e loucos”, os novos nomes demonstram um perfil mais discreto.

Para Nakagawa, do Insper, isso não é coincidênc­ia. “Os novos CEOs sabem que precisam ser mais discretos justamente para valorizar os resultados obtidos e fugir da comparação de popularida­de com o fundador da companhia”, afirma.

Mesmo com as mudanças, é possível que os balanços espetacula­res sejam mantidos. O que ainda não está claro é se o setor que passa por essa transforma­ção ainda é capaz de inovar como em outros tempos. Sem Bezos, Dorsey, Page, Brin e outros, é possível dizer ainda que a internet é “sexy”?

Contraste Contrarian­do a geração de ‘gênios e loucos’, novos CEOs das empresas têm perfil mais discreto

 ?? TOBY MELVILLE / REUTERS ?? Sob pressão para que o Twitter moderasse melhor seus conteúdos, Dorsey trocou a rede pelo mundo das fintechs e dos criptoativ­os
TOBY MELVILLE / REUTERS Sob pressão para que o Twitter moderasse melhor seus conteúdos, Dorsey trocou a rede pelo mundo das fintechs e dos criptoativ­os
 ?? ANDREW HARRER / BLOOMBERG ?? De olho no espaço, Bezos anunciou saída da Amazon em fevereiro
ANDREW HARRER / BLOOMBERG De olho no espaço, Bezos anunciou saída da Amazon em fevereiro

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