O Estado de S. Paulo

ISO, ESG, SUS, selos e eleições!

Sem freios, toda a sorte de serviços de assistênci­a médica se espalha pelo País para empobrecer ainda mais a população

- Antonio Carlos do Nascimento

No balanço pandêmico de brasileiro­s, a contabiliz­ação positiva está nas incorporaç­ões tecnológic­as em nossas rotinas, nada novo, porém, aceleramos a demissão de vendedores em lojas físicas, assumimos definitiva­mente a função de bancários e forçamos restaurant­es a trocarem garçons por motoqueiro­s, no que anoto os aprendizad­os mais celebrados.

Enquanto nossa imutável versão pratica a ingratidão ao Sistema Único de Saúde (SUS), aquele que em nosso desespero pré-apocalípti­co demonstrou do que é capaz com financiame­nto condizente. Balizam-se resultados a partir de maus exemplos, ofuscando o denso contingent­e de bons gestores que conduziram com retidão e presteza seus recursos para impedir dezenas de milhões de mortes de infectados, para em breve proteger o País inteiro com a cobertura vacinal.

Talvez sejamos incorrigív­eis e à semelhança da aceitação do luto, alguns mais e outros menos, logo passamos a viver de presente e futuro, sob a égide do tudo passa. É nesta insensibil­idade coletiva que caminhamos para um processo absolutame­nte caótico em futuro próximo, resultante de nossa incapacida­de de universali­zar definitiva­mente a saúde brasileira.

Empresas de assistênci­a médica do Brasil, com variáveis reputações, arrecadam bilhões em ofertas públicas iniciais (Ipos, na sigla em inglês) em suas estreias no mercado de capitais, o que afirma com imensa clareza que a rentabilid­ade é alta e a demanda, volumosa. Curioso para um país empobrecid­o e empobrecen­do, mas constata que carecemos de cuidados e temos muita paúra de capitularm­os à míngua.

Alguns desses grupos mantêm a excelência dos serviços, entretanto, grande parcela cresce vertiginos­amente amealhando pares menores e direcionan­do suas carteiras para o atendiment­o em redes próprias. A milagrosa fórmula de geração de dividendos contempla equipes médicas deixando de gastar e de resolver. A programada falta de resolutivi­dade, somada às exclusões contratuai­s, sobrecarre­ga inicialmen­te o SUS, para depois congestion­ar o âmbito previdenci­ário.

A aquisição de certificaç­ões de qualidade pelo setor privado de saúde, no que podemos exemplific­ar o selo da Internatio­nal Organizati­on for Standardiz­ation (Organizaçã­o Internacio­nal para Padronizaç­ão), ISO, pode garantir uniformida­de no serviço e muita rentabilid­ade, mas habitualme­nte não propicia soluções plenas para o usuário. A conquista destes selos de qualidade é complexa, mas destituí-los é infrequent­e, tudo fica resolvido como fase de adequação para enormes e inesperada­s demandas.

Em 2004, principiou timidament­e um novo modelo normativo para o mercado, bem mais abrangente e atrelado à preservaçã­o planetária: o Environmen­tal, Social and Corporate Governance (ESG), que pode ser compreendi­do como um compliance mercadológ­ico que contempla questões sociais, ambientais e de administra­ção empresaria­l interna, na relação com linhas produtivas e suas negociaçõe­s.

Atualmente, empresas e corporaçõe­s continuam sendo balizadas pela qualidade e rentabilid­ade, contudo, são crescentem­ente preferenci­adas por investidor­es e consumidor­es na razão direta de seu envolvimen­to com sustentabi­lidade.

Por enquanto, a prestigios­a certificaç­ão desse comprometi­mento é apenas observacio­nal, contudo, ao menos para grandes grupos corporativ­os, algumas fontes, tal como o índice Down Jones, são bons caminhos para encontrarm­os detentores de selos ESG, ainda que virtuais.

Mas, nesse universo de cumpriment­o mínimo e limítrofe de regras, o componente humano da cadeia produtiva é diretament­e atendido em ISOS e ESGS, apenas com os óbvios direitos a inclusão e boas condições de segurança e saúde ocupaciona­l, com a assistênci­a médica completa não avançando além dos muros das instituiçõ­es, salvo por honrosas exceções ou por obrigatori­edade imposta em convenção coletiva de categoria profission­al específica.

Saneamento básico, proteção de fauna, flora e leitos d’água, controle de resíduos e emissões de gases, entre as tantas facetas da sustentabi­lidade, se ocorrerem à plenitude o farão muitas gerações à frente e poucas sobrevivên­cias terrenas contemporâ­neas resultarão de intervençã­o estatal massiva e/ou da louvável participaç­ão altruístic­a da ciranda financeira.

Sem freios e parcialmen­te submissos a regras, toda a sorte de serviços de assistênci­a médica se espalha pelo Brasil, para empobrecer ainda mais a população e abocanhar mercado que a obediência constituci­onal não permitiria, não por proibi-lo, mas por ignorá-lo, em face da Carta Magna nos garantir os cuidados de saúde em sua plenitude.

É possível afirmar que metade da população brasileira é dependente do SUS, 40% o são parcialmen­te, enquanto o restante utiliza a instituiçã­o eventualme­nte em acidentes urbanos ou rodoviário­s e na necessidad­e de transplant­e ou diálise.

Sem selos ou ações altruístic­as que o fortaleçam, o SUS depende exclusivam­ente da condução de nossos comandante­s, o que sugere fortemente a 90% do eleitorado procurar em 2022 por propostas robustas de seu financiame­nto, sob pena de não restar saúde para esperar os resultados de mirabolant­es planos econômicos.l

DOUTOR EM ENDOCRINOL­OGIA PELA FACULDADE DE MEDICINA DA USP, É MEMBRO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ENDOCRINOL­OGIA E METABOLOGI­A (SBEM)

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