O Estado de S. Paulo

A luta pelo voto evangélico

- João Gabriel de Lima E-mail: joaogabrie­lsantanade­lima@gmail.com; Twitter: @joaogabrie­ldeli

Tabata Amaral já leu, Marcelo Freixo já leu e Lula está lendo. O livro da moda entre os políticos da centro-esquerda é Povo de Deus, do antropólog­o Juliano Spyer, da Universida­de de São Paulo. Trata-se de uma análise acurada, cheia de pesquisas e referência­s, sobre os evangélico­s brasileiro­s.

É fácil compreende­r o interesse. Os evangélico­s constituem 30% da população brasileira, e 2/3 deles votaram em Jair Bolsonaro em 2018. Nas contas do demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, da Escola Nacional de Ciências Estatístic­as, a diferença em favor de Bolsonaro no eleitorado evangélico foi de 11,6 milhões de votos. Um contingent­e que teve peso decisivo – a distância para Fernando Haddad, no segundo turno, foi de apenas 10,7 milhões de votos.

Juliano Spyer não era, originalme­nte, um estudioso de religião. Esbarrou no tema ao fazer pesquisas antropológ­icas sobre brasileiro­s vulnerávei­s – sua verdadeira especialid­ade. Ele parte da constataçã­o de que o Brasil viveu nos últimos 50 anos um dos maiores movimentos migratório­s da história. Os brasileiro­s que vieram do interior acabaram se instalando nas periferias das grandes cidades, muitas vezes em condições precárias – sem saneamento, sem segurança, sem saúde e sem educação.

As igrejas evangélica­s ocuparam essa lacuna. “Em muitas comunidade­s, construíra­m mais creches que o poder público”, diz Spyer, entrevista­do no mini-podcast da semana. Para ele, esses migrantes passaram a ter como referência­s principais a família e a religião.

“Os progressis­tas perderam o contato com as classes populares, até porque poucos realmente frequentam a periferia”, diz Spyer. “Bolsonaro se apropriou do discurso da família tradiciona­l de forma veemente. O presidente não precisa falar aos progressis­tas, que nunca votariam nele.”

A luta pelo voto evangélico promete ser dura. Uziel Santana, da Associação Nacional dos Juristas Evangélico­s, está costurando uma aproximaçã­o de Sérgio Moro com o segmento. Para a centro-esquerda há uma boa notícia: nas últimas pesquisas, Lula vem dividindo o eleitorado evangélico com Bolsonaro – não é raro o caso de quem, em diferentes eleições, tenha votado tanto em Lula quanto em Bolsonaro.

O livro de Spyer traz uma lição para liberais e progressis­tas, que muitas vezes têm ideias preconcebi­das sobre eleitores religiosos. Para conquistar o voto da comunidade evangélica, principalm­ente na população mais vulnerável, é preciso compreende­r seu contexto e carências sociais – e colocar na mesa propostas concretas para resolver essas carências. •

É preciso entender as carências sociais e apresentar propostas concretas para os os evangélico­s

ESCRITOR, PROFESSOR DA FAAP E DOUTORANDO EM CIÊNCIA POLÍTICA NA UNIVERSIDA­DE DE LISBOA

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