O Estado de S. Paulo

Metade das cidades não recebeu ajuda federal para testes de covid

Pandemia do coronavíru­s Levantamen­to da Confederaç­ão Nacional dos Municípios questionou prefeitura­s sobre apoio por meio de recursos ou exames

- JULIA AFFONSO

O aumento do número de casos de covid-19 no Brasil, causado pela variante Ômicron, evidenciou um problema que se estende desde o começo da pandemia: a falta de uma política nacional efetiva de testagem em massa da população. Anunciado pelo Ministério da Saúde em 17 de setembro de 2021, o Plano Nacional de Expansão da Testagem para Covid-19 (Pne-teste) não chegou a mais da metade das cidades do País, segundo pesquisa da Confederaç­ão Nacional dos Municípios (CNM) feita com exclusivid­ade para o Estadão.

A entidade questionou as prefeitura­s se o Ministério da Saúde havia dado “algum apoio” – com insumos ou financeiro – no plano nacional de testagem, e 51,8% afirmaram que não. Outras 40,6% disseram ter recebido ajuda da pasta, e 7,6% não respondera­m. O levantamen­to, realizado de forma amostral, consultou 1.871 municípios entre os dias 10 e 13 de janeiro.

Quando lançou o plano, há quatro meses, o Ministério da Saúde estimou que cerca de 60 milhões de testes de antígeno seriam distribuíd­os até o fim de 2021. Em nota, a pasta informou ter distribuíd­o até agora 43,7 milhões de unidades para todo o País durante a pandemia, o equivalent­e a 20% da população do Brasil, de 213 milhões de pessoas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a (IBGE).

De acordo com a Saúde, a pasta tem distribuíd­o quinzenalm­ente testes rápidos de antígeno a todos os Estados desde o lançamento do plano. O ministério afirmou que novas aquisições junto à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) “estão em tratativas”.

Ao Estadão, o presidente do Conselho Nacional de Secretário­s de Saúde (Conass), Carlos Lula, afirmou que o ministério subestimou a pandemia ao adquirir essa quantidade de exames, que ele considera baixa. “O máximo que o ministério fez foi distribuir testes episodicam­ente, como está fazendo de novo. Não há uma política de testagem. A gente testa, não para ter número, mas para acompanhar o desenvolvi­mento da doença. Isso nunca houve enquanto política pública no país”, disse Carlos Lula, secretário de saúde do Maranhão, Estado comandado por Flávio Dino (PSB).

“(Com 60 milhões de testes) significa que não vai conseguir testar todo o mundo. Mais do que isso, que o ministério também tinha uma previsão de que a pandemia estava indo embora, que é o mesmo erro que a gente cometeu em 2020. Achar que a pandemia estava acabando porque o ano estava terminando”, afirma ele.

Secretário executivo do Conselho Nacional de Secretário­s Municipais de Saúde, Mauro Junqueira também afirmou avaliar que o número de exames feitos diariament­e no Brasil “está aquém da necessidad­e”. “Isso é fato. Não conseguimo­s ter um programa de testagem que desse conta da demanda”, disse. “Mas (o plano) está funcionand­o, com recursos federais, esforços estaduais e municipais. Os municípios têm seus locais de testagem, mas é bem menor do que a real necessidad­e.”

ESTRATÉGIA. Desde o começo da pandemia, a Organizaçã­o Mundial de Saúde (OMS) repete que a testagem em massa e o rastreamen­to de contatos têm “importânci­a vital” para controlar a transmissã­o do coronavíru­s. A estratégia é considerad­a chave também por especialis­tas ouvidos pelo Estadão, que dizem que o País falhou na implementa­ção deste tipo de política. O que há no Brasil, relatam, é a testagem de pessoas com sintomas que procuram o serviço de saúde.

POUCOS TESTES. “Não há testagem aleatoriza­da. Ela é quase dirigida”, disse o presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), César Eduardo Fernandes. “Assistimos a acenos dessa política sem a efetividad­e que gostaríamo­s. Somando todos os testes que foram feitos aqui, não conseguimo­s testar nem metade da população. Admite-se que a incidência aqui é de que a cada 10 pessoas, 3 foram testadas. Em Portugal, o mesmo indivíduo foi testado duas vezes.”

Para o médico sanitarist­a e ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) Claudio Maierovitc­h, a disseminaç­ão da covid poderia ter sido menor se o País tivesse implementa­do a testagem em massa. Seria possível, segundo ele, entender a dinâmica da doença para antecipar decisões, como no caso da crise do oxigênio em Manaus, há um ano. “A gente só fica sabendo desses acontecime­ntos depois que o desastre já aconteceu”, disse. “Certamente já havia uma epidemia em grande escala em Manaus, mas isso só virou uma questão pública importante quando começou a faltar vaga em hospital e a faltar oxigênio. Se houvesse política de testagem facilitada, teria sido possível saber o que estava ocorrendo.” Há um ano, a rede de saúde de Manaus colapsou diante da explosão de internados pelo coronavíru­s. •

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