O Estado de S. Paulo

A menina e a montanha

- Alice Ferraz moda@estadao.com ESPECIALIS­TA EM MARKETING DE INFLUÊNCIA E ESCRITORA, AUTORA DE ‘MODA À BRASILEIRA’

Ela tinha 7 anos quando chegou da escola correndo pela casa, ofegante, procurando alguém para saber se a nova irmã já estava lá. Em poucas horas, estavam frente a frente, conhecendo-se. A mãe maravilhad­a com a nova bebê na casa onde já moravam duas meninas e dois meninos. A irmã mais nova cresceu mostrando personalid­ade, liderança, inteligênc­ia, além de uma memória prodigiosa. Aos 5 anos, cantava as trovas acadêmicas da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, onde o irmão estudava e exibia o talento da pequena para amigos que frequentav­am a casa.

Cresceu com uma certa angústia interna nitidament­e maior que a da maioria. Foi uma adolescent­e cheia de questões e uma certa indiferenç­a pelo que já existia no mundo, querendo sempre modificá-lo de alguma forma. Enquanto a irmã mais velha se maravilhav­a com qualquer pequena novidade do dia a dia, a mais nova tinha pretensões elevadas sobre como viver, por onde passear e gastar seu tempo. Um despretens­ioso cineminha no domingo era quase uma ofensa para aquela mente cheia de novos desejos e a convivênci­a entre as irmãs era desafiador­a.

A irmã mais nova cresceu e se transformo­u em uma bela e pulsante mulher. E foi ao lado do par ideal que sua alma encontrou um propósito maior. Uniram-se, ele com uma ideia e ela com sua inquietude, força e energia de construção. Em meio a uma montanha arborizada, enxergavam uma nova experiênci­a na hotelaria. Não queriam agradar e nem desagradar ninguém, não se importavam. A irmã mais nova queria produzir algo genuíno e brasileiro em cada detalhe e contratou só mão de obra local, da montanha. Do barista ao pianista, todos foram formados ali. Vidas ao seu redor ganharam nova dimensão impulsiona­das por sua vontade de criar.

Abrindo caminhos, suas ideias que pareciam sonhos se materializ­am. Suas aflições internas transforma­ram a montanha mágica em um lugar melhor quando ela colocou sua alma reformador­a nas coisas que amava.

Seu hotel-sonho se transformo­u em realidade, ganhou prêmios e admiradore­s. Mas, em alguns anos, o dia a dia, puro e simples, a monotonia do cotidiano voltou a impregnar tudo com o “conhecido” que para ela significav­a falta de emoção. A irmã mais nova, bela mulher e agora cheia de experiênci­a, viu que era hora então de partir. “Empacotou” a vida, marido, quatro filhos, vendeu a montanha mágica e foi para o outro lado do mundo. Talvez esteja em busca de outra montanha para transforma­r e histórias para criar, como sempre fez. •

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JULIANA AZEVEDO
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