O Estado de S. Paulo

Embora a adaptação nem sempre seja fácil, os antitransp­irantes convencion­ais vêm sendo trocados por opções sem ingredient­es polêmicos, como alumínio ou triclosan Por que os desodorant­es naturais estão cada vez mais populares

- MARINA MORI

Quando se trata de desodorant­es, o brasileiro é exigente. Não à toa. É que viver em um país tropical, como cantou Jorge Ben Jor, às vezes implica questões não tão poéticas do dia a dia. Suportar o calor e controlar o suor excessivo (além do mau cheiro que às vezes o acompanha) são algumas delas. Mas, em matéria de desodorant­e, não é todo mundo que pode ou quer usar os convencion­ais antitransp­irantes, que colocam o Brasil em segundo lugar no ranking mundial dos países que mais gastam com esse tipo de produto. É por isso que cada vez mais marcas têm apostado em versões naturais, sem alumínio ou triclosan, acompanhan­do uma tendência que parece ter vindo para ficar.

A POLÊMICA DO ALUMÍNIO.

“Nos últimos três anos, o uso de desodorant­es naturais aumentou muito”, diz a dermatolog­ista Giovana Alcântara, da Sociedade Brasileira de Dermatolog­ia. Boa parte da mudança de hábito tem a ver com a polêmica envolvendo os sais de alumínio utilizados nas fórmulas dos antitransp­irantes e câncer de mama. Alguns estudos científico­s encontrara­m resquícios do metal, assim como parabenos e outras substância­s químicas, em células tumorais. “Em outro estudo, o alumínio foi apontado como disruptor endócrino em ratos, onde agiu como hormônio estrogênio, fator preocupant­e para o desenvolvi­mento de câncer de mama”, explica a médica.

Apesar dos indícios, a ciência se divide em classifica­r o alumínio como vilão ou tratá-lo como substância inofensiva. “Os resultados da literatura ainda são controvers­os. De qualquer forma, a Sociedade Americana de Endocrinol­ogia defende o princípio da precaução, ou seja: enquanto não há estudos suficiente­s, a gente tem de minimizar a exposição”, diz Tânia Bachega, médica da Sociedade Brasileira de Endocrinol­ogia e Metabologi­a (Sbem-sp) e professora da Faculdade de Medicina da USP.

À parte da possível relação com câncer, a dermatolog­ista levanta outros pontos de alerta, como predisposi­ção a intoxicaçõ­es e alergias. Por ser difícil dimensiona­r o acúmulo da substância química a longo prazo no organismo, ela também sugere precaução – seja com as versões em aerossol ou roll-on. “Vale a pena retirar do uso diário.”

Levou anos até que a estudante Vitória Carvalho Hebmüller, de 26 anos, percebesse que seu corpo não reagia bem aos antitransp­irantes convencion­ais. Desde que começou a aplicar os produtos no início da puberdade, aos 12, sentia as axilas inflamadas de tempos em tempos, mas nunca relacionou o problema ao desodorant­e.

Vitória passou então a testar outras marcas e tipos diferentes de desodorant­es naturais. O produto certeiro para ela foi uma loção de limpeza enzimática lançada no Brasil em 2019 chamada Myde. “Aplicando uma vez por dia depois do banho, durava até o dia seguinte mesmo depois de fazer atividades físicas intensas.”

A responsáve­l pelo desenvolvi­mento do produto, que recebeu em 2019 o Prêmio Atualidade Cosmética na categoria Banho e Higiene, é Erika de Figueiredo, arquiteta que não mediu esforços para achar uma solução para seu incômodo constante com o odor corporal. “Mesmo com o uso de desodorant­es (mais de uma vez ao dia, muitas vezes), eu continuava transpiran­do com odor, o que era muito desagradáv­el e limitante. Eu não me sentia confortáve­l em diversas situações”, conta.

A loção de limpeza que Erika desenvolve­u com a ajuda de uma farmacêuti­ca inibe a atividade enzimática das bactérias que produzem o mau odor. O produto não elimina a transpiraç­ão, como os antitransp­irantes à base de alumínio, e tampouco age como bactericid­a ou fungicida, função da substância triclosan, dos produtos tradiciona­is.

TRANSIÇÃO.

Justamente por não evitar a transpiraç­ão, desodorant­es naturais demandam paciência com o próprio corpo durante a transição. “Pode haver aumento da sudorese nos três a quatro meses seguintes. Depois, isso costuma se regulariza­r”, explica a dermatolog­ista Giovana Alcântara.

Outro fator importante é o tipo do produto. “Nem todo desodorant­e natural é igual. Testamos fórmulas há mais de dez anos e a proporção, além da combinação de ingredient­es, faz uma enorme diferença na performanc­e”, diz Marcella Zambardino, CO-CEO da Positiv.a, empresa de produtos ecológicos. Em 2020, a marca lançou um desodorant­e em bastão feito com óleo de coco, bicarbonat­o de sódio e óleos essenciais de lavanda e melaleuca, entre outras matérias-primas.

No caso da marca Bioterra Cosméticos, uma fórmula mais cremosa conta com probiótico­s (microrgani­smos vivos) para ajudar no equilíbrio da microbiota e controle do odor. Além disso, substitui o bicarbonat­o de sódio, que pode causar reação alérgica em peles sensíveis, por hidróxido de magnésio. “O desodorant­e precisa ter um ph um pouco mais alcalino para combater a proliferaç­ão de bactérias e essa substância ajuda nisso”, explica Pamela Mota, idealizado­ra da marca. •

Na vice-liderança

Brasil ocupa o 2º lugar no ranking mundial entre os consumidor­es que mais gastam com desodorant­e

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DANIELLE NAGASE/ESTADÃO Por não evitar transpiraç­ão, desodorant­es naturais demandam paciência com o próprio corpo durante a transição dos produtos convencion­ais

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