Não deixe que a ambivalência atrapalhe sua vontade de adotar novos hábitos
Desejo de mudar não basta. Para alcançar o êxito nesse processo é preciso ‘negociar’ consigo mesmo e definir metas
Depois de perder 13 quilos anos atrás, Rosanna Gill queria perder mais dez. Mas alguns fatores a impediam de fazer o esforço necessário. Afinal, ela não precisava perder mais peso por motivos de saúde. Além disso, já estava seguindo uma dieta saudável e balanceada e estava feliz com sua aparência.
O resultado foi que ela se sentia ambivalente quanto a mudar seus hábitos de comer e beber. Foi só quando percebeu que sua ambivalência estava servindo de desculpa para “não fazer alguma coisa” que Gill, 35 anos, coach de confiança e podcaster, resolveu agir. “Decidi que me sentir mais ou menos comigo mesma era razão suficiente para fazer mudanças.”
A ambivalência, que significa essencialmente ter sentimentos conflitantes a respeito de alguma coisa, deixa muitas pessoas desconfortáveis. Mas é uma parte normal da mudança, dizem os especialistas. “A cada mudança, as pessoas sentem alguma ambivalência, porque mudar significa sair de algo com que você está confortável ou familiarizado e entrar numa coisa que não é familiar”, diz Carlo Diclemente, professor emérito de Psicologia da Universidade de Maryland e autor do livro Addiction and Change.
Quer você queira perder peso, fazer exercícios com mais frequência, reduzir o álcool, parar de fumar ou qualquer outra coisa, a ambivalência diante dessa mudança provavelmente vai fazer parte da equação. Ela tem menos a ver com o objetivo em si e mais com o trabalho e o desconforto pelo caminho, diz James E. Maddux, professor de psicologia e pesquisador do Centro para o Avanço do Bemestar da George Mason University, na Virgínia. “Não é preciso eliminar a ambivalência”, explica. “Ela tem que ser reconhecida e, quando surge, precisa ser tratada em termos do que está por trás dela: você não quer atingir essa meta? Ou o problema é que dá muito trabalho?”
Na verdade, experimentar a ambivalência pode ser uma virtude, diz William R. Miller, professor de Psicologia da Universidade do Novo México e autor do livro On Second Thought: How Ambivalence Shapes Your Life. “É uma questão de enxergar várias opções e escolher”, disse Miller. “A ambivalência é um processo de avaliação, de comparar os aspectos positivos e negativos das escolhas possíveis.”
Por outro lado, “se você ignorar a ambivalência, não terá uma decisão muito forte, que leve a um compromisso sólido”, afirma Diclemente. Ignorá-la pode levar a “construir um plano que não aborde algumas das partes negativas que você está tentando evitar”, o que pode minar seu objetivo. E acrescenta: “A ambivalência alimenta a procrastinação”. Então, se quer melhorar de hábitos, veja a seguir como dar bom uso à ambivalência.
ESCUTE SUA AMBIVALÊNCIA
Quando você pensa em fazer uma mudança nos hábitos de saúde, pode ter algum motivo em mente, além de um contraargumento do tipo “sim, mas...”. Por exemplo: você quer começar a se exercitar com mais frequência para melhorar o condicionamento, mas pensa: “Eu odeio suar!”. Ou você quer perder peso, mas não quer se privar dos prazeres da mesa. Pesquisas apontam que escrever sobre sua ambivalência em relação a determinado motivo reduz o sofrimento causado por ela.
ESCLAREÇA SEUS VALORES
Pense no que é mais importante: autonomia, conforto, saúde, propósito ou outras coisas. Então, se você pensar em como “esses valores se ajustam ao seu comportamento atual e ao comportamento de mudança, você poderá encontrar alguma base para fazer a mudança”, diz Diclemente. “Estamos sempre em estado de negociação com nós mesmos. E sempre ajuda fazer um inventário dos valores ligados a essa mudança”.
Quando Gill se concentrou no fato de que costumava comer por motivos emocionais ou beber álcool para tentar reprimir a ansiedade ou o estresse, isso se tornou o ímpeto para querer superar sua ambivalência. Como coach de confiança, “não quero dar conselhos a outras pessoas sobre como fazer mudanças e ganhar confiança se eu mesma não fiz isso”, diz ela. Então ela abraçou seu desejo de autenticidade, decidiu ficar sem álcool em novembro e passou a ver sua vontade de comer e beber por razões emocionais como estímulos para perceber de perto o que a incomodava.
FAÇA UM GRÁFICO DE EQUILÍBRIO DECISÓRIO
A maneira mais simples de desenhar esse gráfico é criar uma matriz de quatro quadrantes mostrando as vantagens e desvantagens de determinada mudança (como parar de fumar), bem como as vantagens e desvantagens de não fazer tal mudança (continuar fumando).
Entre as vantagens de fazer a mudança estariam: reduzir os riscos de longo prazo de problemas cardíacos e câncer de pulmão; economizar; e ganhar resistência. Entre as desvantagens, não desfrutar de um hábito relaxante ou não conviver mais com amigos fumantes. As vantagens de não fazer a mudança talvez sejam nenhum sintoma de abstinência e apego a um hábito relaxante. E as desvantagens, dar mau exemplo para os filhos e gastar dinheiro com cigarros.
QUESTIONE SEUS MOTIVOS
Uma técnica chamada entrevista motivacional pode ajudar a explorar seus motivos para “sair do bosque da ambivalência”, como diz Miller. Embora essa técnica venha sendo estudada no contexto do trabalho com terapeutas, você pode usála sozinho ou com um amigo.
Pense nestas perguntas: por que quero alcançar esse objetivo? Estou fazendo isso para agradar a mim mesmo ou os outros? Quais são os três melhores motivos para fazer isso? O que estou disposto a fazer para alcançar essa mudança? O que já fiz para dar passos nessa direção?
CONSTRUA UM VOCABULÁRIO DE “CONVERSA DE MUDANÇA”
Reconhecer e rever suas razões para seguir em frente com a mudança pode ajudar no resultado, diz Mary Marden Velasquez, professora e diretora do Instituto de Pesquisa e Treinamento em Comportamento em Saúde da Universidade do Texas, em Austin. Se quer começar a se exercitar, por exemplo, você pode usar afirmações como: “Quero estar em forma e ativo para brincar com meus filhos ou netos”, “Gosto de tênis e poderia me exercitar jogando com mais frequência” ou “Se eu me exercitar com mais frequência, posso me livrar da minha medicação”.
EXPERIMENTE A MUDANÇA
“Comece a agir como se fosse seguir adiante com a mudança que decidiu fazer. Experimente e veja como é”, diz Miller. Esta é uma variação dos princípios “aja como se” e “finja-que-éaté-ser-de-verdade”.
Quando o médico de seu marido o aconselhou a seguir uma dieta baixa em carboidratos, Vered Deleeuw pensou que também poderia se beneficiar com a redução do consumo. Deleeuw, que se dizia “viciada em carboidratos”, apresentava sinais de hipoglicemia, o que era preocupante, porque sua mãe tem diabete. Em vez de tentar resolver a ambivalência, ela se comprometeu a mergulhar na ideia por duas semanas: limpou a casa de doces e lanches ricos em amido e passou a fazer refeições com baixo carboidrato.
A mudança é “uma segunda natureza agora”, diz ela, fundadora do blog Healthy Recipes. “Para qualquer pessoa que se sinta ambivalente sobre uma mudança de saúde, meu conselho é: experimente por duas semanas e veja como se sente. Se tiver sorte, as recompensas serão um incentivo para continuar.” •