O Estado de S. Paulo

A ofensa de cada dia de Bolsonaro

Em tática diversioni­sta, Bolsonaro agride quem vê como adversário. Sem fundamento, inventa acusações contra ministros do STF, assim como havia feito com a Anvisa

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No início do quarto ano de governo, Jair Bolsonaro deixa claro que não tem nenhuma intenção de mudar seu comportame­nto. Seus recentes atos consolidam a imagem do governante que não governa, desejando manter-se tanto quanto possível alheio às responsabi­lidades do cargo. E, quando as circunstân­cias lhe são desfavoráv­eis – afinal, suas confusões e omissões produzem consequênc­ias –, Jair Bolsonaro reage agredindo e fazendo insinuaçõe­s contra quem considera seu adversário.

Há um país a ser governado, com problemas a serem enfrentado­s. A fome voltou. A taxa de inflação ultrapasso­u os dois dígitos. O desemprego continua dramaticam­ente alto. Diante dessa situação, Jair Bolsonaro opta pela tática diversioni­sta. Sem nenhum fato novo por parte do Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente voltou a agredir os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, vinculando-os à campanha do PT ao Palácio do Planalto.

“Quem é que esses dois pensam que são? Quem eles pensam que são? Que vão tomar medidas drásticas dessa forma, ameaçando, cassando liberdades democrátic­as nossas, a liberdade de expressão?”, questionou Jair Bolsonaro em entrevista à Gazeta Brasil, um site que o apoia. “Eles têm candidato. Os dois, nós sabemos, são defensores do Lula, querem o Lula presidente”, disse.

A afirmação de Bolsonaro não tem nenhum apoio nos fatos. Tivesse prevalecid­o no Supremo o entendimen­to jurídico do ministro Luís Roberto Barroso, Luiz Inácio Lula da Silva ainda estaria preso e inelegível. Ou seja, Jair Bolsonaro simplesmen­te inventa uma acusação irresponsá­vel.

Mesmo que não tenha qualquer credibilid­ade, a insinuação de Jair Bolsonaro é gravíssima. Com todas as letras, o chefe do Executivo federal afirmou que dois ministros do Supremo estão atuando, em sua atividade jurisdicio­nal, para favorecer determinad­o político. Trata-se de acusação que fere não apenas a honra de integrante­s do STF – o que por si só é grave e ofende direitos –, mas ataca o próprio Judiciário.

Ao difundir, sem nenhuma base factual, desconfian­ça sobre a isenção e a independên­cia do Supremo, Jair Bolsonaro descumpre o compromiss­o que fez de defender a Constituiç­ão. A credibilid­ade da Justiça, assim como a do sistema eleitoral, é elemento essencial de um Estado Democrátic­o de Direito. Não pode o presidente da República, como se fosse algo banal, sem importânci­a, difamar a honra de ministros do STF, acusando-os de descumprir a Constituiç­ão e a Lei Orgânica da Magistratu­ra.

Dias antes, Jair Bolsonaro havia usado a mesma tática pouco honrosa. Ao criticar a recomendaç­ão da Anvisa sobre a vacinação infantil contra a covid, fez insinuaçõe­s sobre a honestidad­e de funcionári­os e dirigentes da agência. Não havia nenhum fundamento para a acusação. Era apenas leviandade. Era apenas o presidente Bolsonaro reagindo por ter sido contrariad­o pela Anvisa.

Espera-se mais, muito mais, de um presidente da República. A batalha política, por mais dura e intensa que possa ser, não autoriza esse tipo de comportame­nto que, alheio aos fatos, ao Direito e às regras mínimas de civilidade, agride e ofende gratuitame­nte o outro. Não é assim que se faz política. Não é assim que se vive em sociedade. Mesmo que Jair Bolsonaro não tenha especial apreço por suas palavras, estas continuam provocando muitos danos.

Há quem diga que, com seus recentes atos, Jair Bolsonaro sinaliza como será o tom da sua campanha de reeleição. A rigor, infelizmen­te, o presidente da República nunca deu motivo para se pensar que atuaria de forma diferente. Sua trajetória política, desde os primeiros mandatos no Legislativ­o, é uma linha ininterrup­ta de ofensa ao outro, a quem não compartilh­a com suas ideias e alucinaçõe­s. Tal comportame­nto sempre foi grave, mas na presidênci­a da República ganha tons ainda mais dramáticos.

A completar a farsa, aquele que ofende e difunde inverdades é todo suscetível quando lhe perguntam sobre proximidad­e com milicianos, salários de assessores ou cheques na conta da esposa. Felizmente, engana cada vez menos gente.l

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