O Estado de S. Paulo

Influência de Trump trava plano de união no 1º ano de Biden

Republican­os fiéis ao ex-presidente, além de impedir objetivo de vacinar maioria da população, atrasaram nomeações do governo

- RENATA TRANCHES

O presidente dos EUA, Joe Biden, completa um ano de mandato com conquistas legislativ­as importante­s, mas a presença implícita do ex-presidente Donald Trump – que insiste ter sido roubado nas urnas – custou ao democrata a promessa de governar por consenso.

A influência de Trump sobre o Partido Republican­o, segundo analistas, foi maior que o esperado, dificultan­do o primeiro ano de trabalho de Biden, que teve de se virar com uma maioria apertada no Congresso.

O caminho do presidente já seria difícil sem o fantasma de seu antecessor, em razão da pandemia e de uma expressiva parcela da população dizendo não à vacina. Agora, mesmo batendo a meta de imunizar 100 milhões de americanos antes dos primeiros 100 dias de governo, ele viu a polarizaçã­o política frustrar seus planos de imunizar toda a população.

Mesmo com doses de sobra para a todos os americanos, apenas 62,8% da população nos EUA foi totalmente imunizada, segundo o Our World in Data. Em dezembro, um levantamen­to do New York Times mostrou que 91% dos democratas tinham tomado ao menos uma dose, enquanto que, do lado republican­o, esse número era de apenas 60%.

Entre os pontos altos do primeiro ano, os especialis­tas destacam a aprovação do pacote de alívio de US$ 1,9 trilhão para as famílias durante a pandemia e a lei de infraestru­tura de US$ 1 trilhão, que recebeu o apoio dos republican­os e representa o maior investimen­to em obras públicas em uma geração.

LUA DE MEL. Mas Biden teve momentos desastroso­s, como o fiasco da retirada das tropas do Afeganistã­o e a alta da inflação que prejudica a recuperaçã­o econômica. Os dois fracassos encurtaram a lua de mel e o capital político do presidente.

“A analogia que se tem feito, de uma montanha russa no primeiro ano de Biden, não é a mais correta. Foi mais como se ele tivesse subido uma montanha de gelo em um teleférico e, depois, descido esquiando, sendo que o pé da montanha são seus baixos índices de aprovação”, disse James Thurber, professor da American University e diretor do Center for Congressio­nal and Presidenti­al Studies.

Segundo ele, em um contexto já de dificuldad­es para o presidente negociar e aprovar projetos, o Partido Republican­o se mostrou mais leal a Trump do que se esperava. “Ele (Trump) vem pedindo lealdade apenas a ele e as pessoas não estão dispostas a enfrentá-lo”, disse Thurber, acrescenta­ndo que a lógica deve se repetir em 2022, quando os republican­os esperam reconquist­ar a maioria no Congresso em novembro.

Um termômetro de como presidente e oposição não trabalham juntos no primeiro ano de mandato são as aprovações de nomes para cargos e embaixadas. Segundo o Centro de Transição Presidenci­al, Biden levou em média 103 dias para que seus indicados fossem confirmado­s pelo Senado – o maior tempo dos primeiros anos dos seis governos anteriores.

NOMEAÇÕES. Esse aspecto é especialme­nte importante para o professor e diretor do programa de mestrado em gestão política da George Washington University, Todd Belt. De acordo com ele, nunca houve um presidente que tivesse colocado tantas pessoas para cargos no governo com tão pouca experiênci­a, como fez Trump. “Biden está recolocand­o pessoas qualificad­as no Executivo, o que era necessário”, afirma.

Muitas das nomeações de Biden foram atrasadas pelo segundo processo de impeachmen­t contra Trump, em razão de seu papel no ataque ao Capitólio, em 6 de janeiro, que deixou cinco mortos e mais de 100 feridos.

Para Belt, a influência de Trump tem mantido os republican­os firmes em sua oposição a Biden. “É difícil unir um país onde a maioria do outro partido tem a ilusão de que seu candidato (Trump) teve a eleição roubada”, afirma.

Para Thurber, a polarizaçã­o na política americana deve se acentuar este ano, com a saída de nomes mais moderados, entre republican­os e democratas, que decidiram não disputar a reeleição.

“É difícil unir um país onde a maioria do outro partido tem a ilusão de que seu candidato (Trump) teve a eleição roubada dele”

Todd Belt

Professor da George Washington University

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SAUL LOEB / AFP Biden durante encontro com bancada democrata no Congresso

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