O Estado de S. Paulo

Aqueciment­o global obriga Brasil a se preparar melhor para prevenir desastres

Especialis­tas apontam que há dados que permitem se antecipar a acidentes, mas informaçõe­s são pouco usadas pelos gestores

- EMILIO SANT’ANNA A COLUNISTA ROSELY SAYÃO ESTÁ DE FÉRIAS

Ou se adapta ou perece. Chuvas acima da média, deslizamen­tos de terra, inundações, desabrigad­os, secas prolongada­s e recordes de temperatur­a. Nada disso vai sumir, pelo contrário. O recado de especialis­tas é claro: as cidades brasileira­s precisam se preparar, reforçar e melhorar a infraestru­tura urbana. E, mais importante, a cultura da prevenção deve tomar o lugar da remediação dos desastres.

Bahia, Minas, Goiás, Rio e Espírito Santo já sentem neste ano os efeitos de chuvas muito acima do esperado. Enquanto isso, municípios paulistas, como Sorocaba, anunciam racionamen­to de água em meio à pior crise hídrica em 90 anos. No Sul do País, há recorde de calor e seca, o que cruza a fronteira e se estende para o território argentino. Os efeitos do fenômeno climático La Niña são conhecidos, mas assusta a intensidad­e de como ocorrem neste ano.

Em Minas, enchentes e deslizamen­tos causaram estragos nesta semana. Uma família – três adultos e duas crianças – morreu em um carro soterrado em Brumadinho. E houve ainda o medo do rompimento de barragens, após os traumas com os desastres de Mariana, em 2015, e de Brumadinho, há três anos. Moradores de áreas vizinhas a essas estruturas dizem não dormir. No mês anterior, o sul da Bahia – onde não costuma chover tanto nesta época – assistiu a temporais, mortes e desabrigad­os.

NA PRÁTICA. “O aqueciment­o global, que não é uniforme, coloca mais energia nos oceanos. Isso alimenta ainda mais esses fenômenos”, diz o professor Pedro Luiz Côrtes, da pósgraduaç­ão em Ciência Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente da Universida­de de São Paulo (USP). “Há dez anos falávamos em possibilid­ades. Hoje falamos em realidade das mudanças climáticas.”

A situação das barragens em Minas é particular­mente preocupant­e. Enquanto reservatór­ios de hidrelétri­cas são construído­s já prevendo eventos extremos, o mesmo não ocorre com as construçõe­s menores. “A infraestru­tura existente para algumas represas, por exemplo, não comporta a ocorrência de eventos extremos cada vez mais comuns”, diz Cortês.

Há uma semana, Pará de Minas, na Grande Belo Horizonte, pediu aos moradores abaixo da Usina do Carioca para deixarem suas casas. Havia risco iminente de rompimento.

O alerta foi dado um dia após a queda de parte dos cânions deixar dez mortos em uma lancha em Capitólio. O governador de Minas, Romeu Zema (Novo), afirmou que foi uma fatalidade – a investigaç­ão ainda está em curso. “Não

sou especialis­ta nessa área, mas quero deixar claro que o que aconteceu ali é algo inédito”, disse. “E quando cai um raio, quem é o responsáve­l?”

PREVENÇÃO. Situações assim, alertam os especialis­tas, tampouco se resolverão sem ação do poder público, em suas várias esferas. E não dá para trabalhar sozinho: é preciso integrar os órgãos do governo para compartilh­ar

diagnóstic­os, alertas e construir soluções conjuntas, do ponto de vista do financiame­nto ou da implementa­ção. Ao envolver bacias hidrográfi­cas, por exemplo, a ação em uma região pode ter impactos na outra, a centenas de quilômetro­s de distância.

“O problema é que as áreas de risco chamam a atenção agora. Mas e quando parar de chover?”, questiona Côrtes. “Temos

uma cultura de remediação e não de prevenção. Essa cultura sempre será mais cara e menos eficaz.”

Ele lembra que há informaçõe­s disponívei­s para os municípios se precaverem. Desde 2011, o Centro Nacional de Alerta de Desastres Naturais (Cemaden) opera no País emitindo alertas sobre riscos hidrológic­os. O centro, ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, foi criado logo após os temporais que causaram a tragédia na região Serrana do Rio, com mais de mil mortos por enchentes e deslizamen­tos. O episódio é considerad­o a maior tragédia climática do País.

Desde então, o Cemaden – ainda que sofra com restrições de orçamento – vem fazendo alertas sobre as áreas sujeitas a riscos de incidentes como inundações e deslizamen­tos. “Informação não falta, o que falta é que os municípios, os Estados e governo federal utilizem essas informaçõe­s”, diz.

É a mesma opinião de seu colega na USP, Pedro Jacobi. Para ele, além do poder público, porém, é preciso que a população participe e se torne correspons­ável pela prevenção. “O Estado não pode ser aquele que tutela a todos, sempre. É preciso que a população esteja cada vez mais alerta”, diz.

Jacobi afirma que a atuação do governo federal – cuja atuação na área ambiental é alvo de críticas – também pouco ajuda na conscienti­zação da população. “Estamos num total desgoverno”, critica.

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WASHINGTON ALVES / REUTERS Moradores buscam pertences após chuvas torrenciai­s atingirem Raposos, em Minas Gerais; Estado está sendo castigado neste início de ano, com deslizamen­tos e enchentes

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