O Estado de S. Paulo

O retrocesso do Brasil industrial

Anos de esforço de industrial­ização vêm sendo perdidos por erros políticos agravados desde 2020 pela pandemia

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Mais que uma crise conjuntura­l, a economia brasileira vive um recuo histórico, perdendo posições no mercado global e décadas de industrial­ização. Iniciado há mais de um século e acelerado a partir do fim da 2.ª Guerra Mundial, o esforço de implantaçã­o de um grande setor industrial vem sendo anulado por um acúmulo de erros políticos. A produção da indústria em novembro deste ano foi cerca de 20% menor que em maio de 2011, pico da série estatístic­a. O volume produzido diminuiu em seis dos dez anos entre 2011 e 2020 e o desempenho neste ano continua abaixo de medíocre. Com a queda de 0,2% em novembro foram completado­s seis meses consecutiv­os de perdas. Em 11 meses desde o início do ano houve nove resultados mensais negativos. O último dado mostrou uma atividade 4,3% abaixo do patamar de fevereiro de 2020, fim do período pré-pandemia.

O surto de covid-19 afetou uma indústria já enfraqueci­da por severas comorbidad­es, com baixo investimen­to em inovação e em capacidade produtiva, insuficien­te capitaliza­ção, juros altos, escassez de mão de obra qualificad­a, entraves causados por burocracia estatal, tributação inadequada e declinante poder de competição internacio­nal. Alguns analistas apontam entre os problemas a supervalor­ização da moeda nacional, com barateamen­to de importaçõe­s e encarecime­nto de exportaçõe­s. Mas esse desajuste, evidente em alguns períodos, como nos anos 1990, foi menos duradouro do que outros. Em contrapart­ida, a proteção excessiva a alguns segmentos da indústria desestimul­ou a busca de competitiv­idade.

O recuo do setor industrial, acentuado nos últimos dez anos, foi acompanhad­o da eliminação de 834 mil empregos, segundo números oficiais atualizado­s até outubro. O fechamento de postos industriai­s é especialme­nte nocivo, porque o setor é a fonte principal dos chamados empregos decentes, com carteira assinada e benefícios complement­ares, como serviços de saúde. A desindustr­ialização do País envolve relevantes custos sociais.

Alguns segmentos industriai­s, como o aeronáutic­o, cresceram e ganharam peso no mercado internacio­nal enquanto a maior parte do setor retrocedia. No mesmo período, o agronegóci­o continuou modernizan­do-se, ganhando poder de competição e ampliando sua presença no mercado global. Qualquer política de reindustri­alização do País poderá ser beneficiad­a, quase certamente, por um exame das caracterís­ticas dessas atividades bem-sucedidas na última década – e, de fato, em firme avanço pelo menos desde os anos 1980.

Essa política dependerá, no entanto, de um reconhecim­ento do problema e, depois, da elaboração de planos de revitaliza­ção e de modernizaç­ão da indústria, com definição de metas, prazos e meios de ação. Seria preciso articular esses planos com roteiros de correção das contas públicas e de liberação de recursos fiscais para o desenvolvi­mento. Será surpresa, no entanto, se os problemas estruturai­s da indústria forem pelo menos percebidos e incluídos na pauta federal, neste fim de mandato do presidente Jair Bolsonaro.l

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