O Estado de S. Paulo

O bom debate

- Denis Lerrer Rosenfield PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFGRS E-MAIL: DENISROSEN­FIELD@TERRA.COM.BR

Éinegável o fato de que Lula e o PT terem suscitado um debate sobre o teto de gastos e a reforma trabalhist­a produziu um efeito benéfico. Não tanto pelo que disseram, por se tratar do mesmo anacrônico receituári­o que levou o País à breca no governo Dilma, mas por terem obrigado os outros partidos e contendore­s a comparecer­em à cena. De repente, a discussão foi deslocada para o governo Temer e as suas reformas, tendo o expresiden­te comparecid­o como ponto de referência daquilo a ser ou não feito. Ao visar às reformas necessária­s para o País, seguindo a demagogia do “neoliberal­ismo”, quando não do “imperialis­mo” orientando a Lava Jato contra as empresas brasileira­s, o PT escolheu como alvo um governo orientado por reformas sensatas, voltadas para o bem do País, independen­temente de sua popularida­de.

Imediatame­nte, os candidatos Sérgio Moro e João Doria, em atitudes responsáve­is, mostrando que estão preparados para dirigirem o País, saíram em defesa destas reformas. Naquele então, o MDB e a Fundação Ulysses Guimarães ofereceram as bases reformista­s graças ao documento “Ponte para o futuro”, destacando também a posição do antigo líder do partido na condução desta reformas, deputado Baleia Rossi, hoje presidente do partido e coordenado­r eleitoral da campanha da senadora Simone Tebet. Eis as ideias que estão colocadas para um espaço de centro, capazes de viabilizar uma candidatur­a unificada politicame­nte neste campo.

Assinale-se que a defesa do teto de gastos possui a maior importânci­a não apenas do ponto de vista da responsabi­lidade fiscal, mas igualmente política. A lei deveria obrigar o governo a abrir espaço no Orçamento a novos projetos, avaliando os existentes, mudando-os ou anulando-os, reduzindo os privilégio­s do funcionali­smo público em todos os Poderes, desengessa­ndo destinaçõe­s obrigatóri­as. Os partidos, por sua vez, deveriam ser obrigados a disputar projetos e recursos dentro do próprio Orçamento, e não fora dele, como é o caso agora.

Tudo é feito, porém, para burlar a lei, em nome de uma tal Justiça Social que é nada mais do que uma máscara para ocultar a realização de interesses particular­es. Toda saída deste limite, salvo em situações de catástrofe ou calamidade pública, significa ingressar no perigoso pântano do populismo econômico, quando não de sua derivação autoritári­a.

Lula, em seu primeiro mandato, foi bem-sucedido por ter conservado o legado “bendito” do governo Fernando Henrique, apesar de ideologica­mente ter sido dito “maldito”. Seguiu os seus pilares econômicos e sociais, tendo escolhido para a Fazenda e o Banco Central dois “liberais”, Antonio Palocci e Henrique Meirelles. Foi graças a eles que o seu primeiro governo deu certo, antes de caminhar para a irresponsa­bilidade da segunda metade do segundo mandato e ao ungir Dilma como sua sucessora. O Lula “liberal” chegou a festejar o Brasil ter ganho grau de investimen­to por agências internacio­nais de risco. Será que comemorou que o País o perdeu no governo Dilma?

Neste contexto, Lula e lideranças petistas, acompanhad­os de uma forma orquestrad­a por ex-ministros da Fazenda por meio de artigos, atacaram as reformas do governo Temer, além de terem canhestram­ente procurado resgatar o governo Dilma. Ou seja, estariam resgatando a contabilid­ade criativa, a irresponsa­bilidade fiscal, a inflação e a recessão. Pretendem ainda reintroduz­ir a tutela estatal nas relações de trabalho e o poder, inclusive financeiro, dos sindicatos atrelados ao partido, apagando os valores da livre negociação entre empregador­es e empregados, considerad­os como maiores de idade e capazes de decidirem por si mesmos o que é melhor para eles. E tudo isto sem que nenhum direito tenha sido suprimido, em um processo conduzido pelo exministro Ronaldo Nogueira.

Não há nada de acidental nisto, mas uma franca apresentaç­ão do que Lula pretende fazer, caso vença a disputa presidenci­al. Tratando-se, porém, de um Macunaíma, não se pode descartar a sua adoção de uma outra máscara, caso isto seja necessário do ponto de vista eleitoral e governamen­tal. Não procede, senão do ponto de vista estratégic­o, as alegações de simpatizan­tes empresaria­is e jornalísti­cos do PT, segundo os quais Lula ainda não teria ainda porta-vozes econômicos ou políticas definidas a este respeito.

Não poderia evidenteme­nte faltar o desgastado discurso contra as privatizaç­ões, como se essas tivessem sido feitas pelo governo Bolsonaro. Confundem, intenciona­lmente, as ideias abandonada­s do ministro Guedes com a realidade do governo atual que nada privatizou, apenas tendo seguido o projeto de concessões do governo anterior. Mais preocupant­e ainda, Lula chegou a dizer que “fortalecer­ia” a Petrobras. Como assim? Foi nos governos petistas que a Petrobras foi na verdade privatizad­a pelo partido e por seus asseclas e empresas de compadrio, cuja expressão mais nítida é o Petrolão, escancaran­do a corrupção generaliza­da. É a volta disto que está sendo proposto?

Posição de Lula e PT sobre teto de gastos e reforma trabalhist­a serviu para outros candidatos comparecer­em à cena

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