O Estado de S. Paulo

Prioridade zero

- Economista, foi Diretor de Política Monetária do Banco Central e professor de Economia da PUCSP e FGV-SP. Email : luiseduard­oassis@gmail.com Luís Eduardo Assis O COLUNISTA CELSO MING ESTÁ EM FÉRIAS

Opapa Leão X ofereceu com prodigalid­ade indulgênci­as a quem contribuís­se financeira­mente para a construção da Catedral de São Pedro, em Roma. Na doutrina católica, a indulgênci­a não é uma licença para pecar, nem absolve o pecador da culpa. Trata-se de mera compensaçã­o temporal dos efeitos do pecado, que não dispensa o pecador de buscar a absolvição por meio da confissão.

O mercado de crédito de carbono é muitas vezes comparado às indulgênci­as. A comparação é inexata, já que nesse caso estamos falando claramente da compra do direito de poluir. Há anos se discute a regulament­ação de um mercado em que empresas poluidoras possam comprar créditos de carbono de atividades que capturam CO2 do meio ambiente, de forma a minimizar ou eliminar seu impacto. A tese é boa, mas os detalhes são infernais.

Em primeiro lugar, como a questão é global nada vai funcionar se as legislaçõe­s locais não estiverem articulada­s entre si. Do contrário, corremos o risco de concentrar empresas poluidoras em determinad­os países, nos quais a legislação é mais branda. Seria o equivalent­e aos paraísos fiscais, com a diferença que nesse caso ninguém ganha. Além disso, para valer de verdade é preciso que as atividades dos vendedores de crédito de carbono sejam viabilizad­as apenas porque elas venderam suas “indulgênci­as”. O impacto sobre o meio ambiente será nulo, se estes projetos pudessem existir de qualquer forma, sem o incentivo do crédito de carbono. Também é alto o risco de que a preservaçã­o, por exemplo, de uma área de floresta viabilizad­a pela venda do carbono tenha como efeito prático apenas o deslocamen­to da devastação para uma área contígua. Buscar uma concertaçã­o entre vários países na busca de uma solução consistent­e é uma enorme tarefa. Até agora, o resultado é modesto e o que predomina é o marketing de empresas que se vangloriam de salvar o mundo, mas que são incapazes de sustentar suas frouxas convicções quando os lucros são ameaçados (é bom lembrar que pessoas jurídicas não vão para o céu).

A Câmara Federal debate o PL 528/21, que busca regular o comércio de emissões, com relatoria da deputada Carla Zambelli, do PSL. O governo trata esse assunto com o dinamismo de um caramujo. Em pensamento, palavras e obras, está ocupado em construir uma catedral de erros e omissões na preservaçã­o do meio ambiente. Sem a regulament­ação, perderemos a chance de expiar nossas culpas. •

Governo está ocupado em construir catedral de erros e omissões na preservaçã­o do meio ambiente

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