O Estado de S. Paulo

‘Só a vacina pode impedir o caos hospitalar’

Ex-presidente da Anvisa avalia o impacto da Ômicron no sistema de saúde e recomenda a volta às aulas só para quando as crianças estiverem vacinadas

- Sonia Racy Gabriel Manzano (interino)

Prazo seguro

‘É preciso discutir sobre postergar as aulas para quando todas as crianças já tiverem a primeira dose’

Com a variante Ômicron já espalhada pelo País, o médico sanitarist­a Gonzalo Vecina calcula que o número de casos de covid continuará alto por duas ou três semanas. Ele adverte que medidas para diminuir a transmissã­o do vírus são necessária­s – e a volta da meninada à escola está nesse debate. “É preciso discutir postergar o início das aulas para quando todas as crianças tiverem tomado a primeira dose”. Professor da Faculdade de Saúde Pública da USP e ex-presidente da Anvisa, Vecina afirma que não se pode deixar toda a população ser contaminad­a porque isso lota os hospitais: “Só a vacina pode impedir o caos hospitalar”. Leia a seguir trechos da entrevista concedida à repórter Paula Bonelli, por videoconfe­rência, na semana passada.

Quando todas as crianças serão vacinadas?

Depende de governo. Tem que comprar vacina e aprovar a do Butantan. A Pfizer liberou 6 milhões de doses, são necessária­s 40 milhões, tem 12 milhões aí da Coronavac. Precisa-se de mais vacinas e rapidament­e. Nas próximas duas semanas, haverá reflexos a serem observados no número de casos em crianças. É preciso discutir sobre postergar o início das aulas para quando todas as crianças já tiverem tomado a primeira dose. A tendência normal seria voltar às aulas assim mesmo. Mas, como essa doença é muito contagiosa, provavelme­nte vai atrasar um pouco até todas as crianças terem pelo menos essa primeira dose.

Não faria sentido deixar toda a população se contaminar, já que a gravidade do contágio pela Ômicron é menor?

Não, isso iria lotar os hospitais. É preciso diminuir a possibilid­ade de transmissã­o do vírus sempre que possível, e por isso vacinar as crianças antes de elas irem para a escola também é importante. Só a vacina pode impedir o caos hospitalar.

Qual o seu balanço do quadro atual da pandemia?

Haverá esse pico imenso de casos por duas ou três semanas, como aconteceu na África do Sul. E se todo mundo for para uma UPA, para um pronto-socorro, não vai ter solução, não tem assistênci­a hospitalar e teste para tanta gente. A recomendaç­ão é, se está gripado, fique em casa, pode ser Ômicron ou H3N2. Se piorar, vá ao hospital. Trate como as gripes que sempre teve a vida toda. Use antitérmic­os, analgésico­s, e não tome ácido acetilsali­cílico, o famoso AAS. A hidratação e a alimentaçã­o são fundamenta­is.

A 3.ª dose da vacina não evita a variante Ômicron?

Não evita, a única coisa que ela e as duas doses conseguem fazer é, na grande maioria, impedir doença grave, hospitaliz­ação e morte. A Ômicron não dribla as vacinas do ponto de vista de doença grave e morte.

O sr. prevê novos picos de mortes como os de 2021?

Aconteceu na África do Sul, agora ocorre na Europa, nos Estados Unidos há um aumento exponencia­l do número de casos, e também no Brasil. Não tem muito caso grave, mas muita gente que precisa se internar por não estar conseguind­o engolir por causa de inflamação aguda na garganta ou porque a febre está alta. Se é um hipertenso, diabético, obeso mórbido, cardiopata, transplant­ado, está fazendo quimiotera­pia ou tem uma doença que baixa a sua imunidade, um lúpus, significa que está num equilíbrio clínico instável e que a covid pode derrubar esse equilíbrio.

Quais são os maiores gargalos no Brasil para o enfrentame­nto da pandemia?

Precisa de governo para explicar em quais situações as pessoas devem ir ou não ir para o hospital, fazer ou não testes. Hoje o Ministério da Saúde está pedindo para a Anvisa liberar o autoteste, que é bem mais barato do que o de farmácia e tem lá sua eficácia. Quando for liberado, os produtores vão ter que pedir para fazer o registro para depois vender. Se tudo correr muito bem em um mês vai haver esse autoteste, que custa dois euros na Europa.

A pandemia está no fim?

Falta terminar de vacinar as crianças. Uma pandemia acaba quando acabam os suscetívei­s. Dada a capacidade que essa pandemia tem de produzir variantes, não está muito certa a história da imunidade de rebanho. Porque se aparece uma variável nova todo mundo volta a ser suscetível. Com a Ômicron reproduzin­do tão rapidament­e, e sabendo que uma variante é fruto de um erro probabilís­tico, existe, sim, uma chance de ocorrer uma variante mais competente. Por outro lado, se a Ômicron varrer o mundo e nós conseguirm­os nos vacinar, talvez estejamos chegando ao fim da pandemia. •

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