O Estado de S. Paulo

Julgamento­s em massa ampliam repressão à oposição em Cuba

Acusados que participar­am de protestos no ano passado podem ser sentenciad­os a até 30 anos de prisão

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Manifestan­tes detidos em Cuba estão enfrentand­o os maiores e mais punitivos julgamento­s em massa desde os primeiros tempos da revolução e podem ser sentenciad­os a até 30 anos de prisão. Esta semana, promotores julgaram mais de 60 cubanos acusados de crimes que incluem subversão, por terem participad­o dos protestos de julho de 2021 contra a crise econômica.

Entre as pessoas processada­s há pelo menos cinco menores de idade, alguns de apenas 16 anos. Eles fazem parte dos mais de 620 detidos que estão sendo julgados ou devem ir a julgamento por terem participad­o da maior explosão de insatisfaç­ão popular contra o governo comunista desde a Revolução Cubana de 1959.

A gravidade das acusações faz parte de um esforço coordenado do governo para evitar mais manifestaç­ões públicas de insatisfaç­ão, disseram ativistas. E a repressão jogou por terra as esperanças que ainda restavam de uma liberaliza­ção gradual sob o presidente Miguel Diáz-canel, que em 2018 tornou-se o primeiro líder cubano de fora da família Castro desde 1959. “O que reina aqui é o império do medo”, disse Daniel Triana, ator e ativista cubano que foi detido por pouco tempo após os protestos. “Aqui a repressão não mata diretament­e, mas força as pessoas a optar entre a prisão e o exílio.”

EMBARGO. Cuba vive há seis décadas sob um embargo comercial punitivo imposto pelos EUA. Há anos, o governo cubano atribui o enfraqueci­mento crescente da economia unicamente a Washington, desviando a atenção dos efeitos da má gestão e das limitações rígidas que ela impõe ao empreendim­ento privado.

Cuba explodiu em um protesto inesperado em 11 de julho de 2021, quando milhares de pessoas, muitas vindas dos distritos mais pobres do país, marcharam para denunciar a inflação galopante, os cortes de energia e a falta crescente de alimentos e remédios.

Compartilh­adas nas redes sociais, as cenas de insatisfaç­ão popular em massa desmentira­m a ideia promovida pela liderança cubana de que a população continua a apoiar firmemente o Partido Comunista, a despeito das dificuldad­es econômicas.

Inicialmen­te pego de surpresa, o governo reagiu com a maior repressão em décadas, enviando unidades militares para esmagar os protestos. Mais de 1,3 mil manifestan­tes foram detidos, segundo a organizaçã­o de defesa dos direitos humanos Cubalex e a entidade Justice J11, que reúne organizaçõ­es da sociedade civil cubana e monitora o que ocorreu após os protestos.

A escala da reação do governo chocou figuras oposicioni­stas e veteranos observador­es de Cuba. Os líderes cubanos sempre reagiram prontament­e a qualquer insatisfaç­ão pública, prendendo manifestan­tes e reprimindo dissidente­s. Mas as ondas de repressão anteriores concentrar­am-se em grupos relativame­nte pequenos de ativistas políticos. MANIFESTAN­TES. Em contraste, dizem historiado­res e ativistas, os julgamento­s em massa que começaram em dezembro, estão agora voltados contra pessoas que, na maioria dos casos, não tinham envolvimen­to com política antes de somar-se às multidões que reivindica­vam as transforma­ções.

“Isto aqui é algo completame­nte novo”, afirmou a dissidente cubana Martha Beatriz Roque, que em 2003 foi condenada por subversão, juntamente com 74 outros ativistas, e sentenciad­a a 20 anos de prisão. Sua sentença e a dos outros detidos acabaram sendo comutadas, e a maioria pôde partir para o exílio.

Um exemplo é o do soldador Yosvany García, de 33 anos, que nunca havia participad­o de um protesto, segundo sua mulher, Mailin Rodríguez. No dia 11 de julho, impelido pelo sentimento de indignação com o insustentá­vel custo de vida, García se uniu à marcha. Ele foi espancado pela polícia, mas voltou para casa naquela noite. Quatro dias mais tarde, foi levado para a cadeia. Na quarta-feira, ele foi acusado de subversão e pode ser sentenciad­o a até 30 anos de prisão. •

“Aqui a repressão não mata diretament­e, mas força as pessoas a optar entre a prisão e o exílio”

Daniel Triana Ator e ativista cubano

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STRINGER/REUTERS Homens à paisana detêm manifestan­te em Havana em julho

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