O Estado de S. Paulo

Emoção e choro marcam início da imunização de crianças em São Paulo

Pais relatam mistura de alívio e realização no primeiro dia da campanha para o público de 5 a 11 anos com comorbidad­es

- GONÇALO JUNIOR

Toda vez que o Kelvin chora, a mãe, Alcimara, interrompe o que está fazendo para acudilo. Como ele não anda, não fala e sofre com graves problemas respiratór­ios, o menino de 7 anos chora para sinalizar que não está bem. Ontem, porém, foi diferente: a dona de casa deixou o filho único chorar à vontade na UBS Jardim Aeroporto, zona sul de São Paulo. Depois que ele tomou a primeira dose da vacina contra o novo coronavíru­s, a mãe até sorriu com o canto da boca e disse que estava realizando um sonho.

Esse paradoxo (mães quase alegres enquanto os filhos choram) e outro ainda (pais que choram no lugar dos filhos após a agulhada) foram cenas que se multiplica­ram nos postos de saúde na capital paulista. A prefeitura iniciou ontem oficialmen­te a vacinação das crianças de 5 a 11 anos com comorbidad­es ou deficiênci­a permanente (física, sensorial ou intelectua­l). A imunização também está disponível para crianças indígenas aldeadas da mesma faixa etária.

No primeiro dia da campanha, pais e mães não encontrara­m grandes filas nos postos de saúde visitados pelo Estadão. Era só chegar, apresentar a documentaç­ão e tomar a vacina. Profission­ais de saúde classifica­ram o movimento como “fraco”.

Na UBS Jardim Aeroporto, apenas três crianças haviam tomado a vacina até as 11h. O movimento foi semelhante na UBS Chácara Santo Antonio. Ali, a procura foi maior nas primeiras horas do dia: foram cinco crianças antes das 10h. Depois, só adultos. “Como esta primeira fase é voltada apenas para crianças com comorbidad­es, a procura é menor. Mas vai ficar lotado quando abrir para todo o mundo”, opina uma funcionári­a do posto.

SONHO REALIZADO. Para os pais que levaram os filhos para serem imunizados, isso representa um avanço diante de tantas internaçõe­s, idas e vindas ao médico e uma luta incansável para fugir do choro. Menos no dia da vacina. “Durante dois anos, sonhei com a vacina. Já foram sete internaçõe­s, muitas consultas e exames e muito sacrifício para ele ficar bem. Agora, estou aliviada”, diz Alcimara, que mostra na mochila duas pastas cheias de exames e prontuário­s.

A imunização é uma preocupaçã­o a menos da dona de casa, que deixou o trabalho de empregada doméstica para cuidar o tempo todo do filho. Ela recebe um benefício de cerca de R$ 1.100 do INSS, mas o dinheiro é contado. Kelvin usa fraldas, toma mamadeira e precisa de cremes especiais para um problema de pele sensível. A cadeira de rodas foi dada pela prefeitura depois de um ano de espera. “Eu tomei as três doses, mas fiquei esperando a vez dele”, afirma a mãe do menino, que mora na zona sul.

Marco inicial Vacinação infantil começou no Hospital Cruz Verde, referência no tratamento de paralisia cerebral

Famílias que tiveram perdas causadas pela covid-19 percebem a vacina de uma maneira ainda mais especial. O analista de TI Philippe Assayag, de 37 anos, perdeu o sogro, José Carlos, e a mãe, Maria Cândida, durante a pandemia. Por isso, ele se sentia mais ansioso à medida que chegava a vez de cada pessoa da família – ele próprio, a mulher e a enteada Laís, de 13 anos. Ontem, foi a vez do enteado Daniel Freire, de 9, que tem uma grave dermatite. “Eu me vacinei pouco depois do que aconteceu. A expectativ­a era grande. Agora, percebo que a gente consegue controlar, mas a emoção ainda é grande.” O pequeno Daniel diz que a agulhada não doeu e que achou legal tomar a vacina.

Algumas crianças não têm pai e mãe para compartilh­ar esse momento. É o caso de Eloá Silva Oliveira, de 10 anos. Com paralisia cerebral, ela é uma das 186 crianças a receber tratamento integral no Hospital Cruz Verde, referência na área. Ela foi a primeira imunizada na campanha oficial da prefeitura. Não chorou e tentou até sorrir. Na falta da família, as enfermeira­s trataram de ampará-la na hora da picada.

Na mesma situação, Bryan Miguel Costa, de 5 anos, gostou tanto dos aplausos, que devolveu na mesma moeda e aplaudiu a plateia de médicos e jornalista­s. •

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WERTHER SANTANA/ESTADÃO Eloá Silva Oliveira, de 10 anos, foi a primeira criança imunizada na campanha oficial da prefeitura

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