O Estado de S. Paulo

Alunos sem vacina não podem ser impedidos de fazer matrícula

Para especialis­tas, esse é um caso difícil, pois não se pode negar o direito à educação; por outro lado, pais estão sujeitos a punições

- LEON FERRARI

A vacinação de crianças de 5 a 11 anos contra a covid-19 começou na última sexta, 14, no Brasil. A aplicação de doses da Pfizer no público de 12 a 17 anos ocorreu ainda em 2021. Com o avanço da imunização dos menores de 18 anos, surge uma dúvida: escolas podem negar matrícula e frequência de estudantes não vacinados?

Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescent­e (ECA), a vacinação é obrigatóri­a nos casos recomendad­os pelas autoridade­s sanitárias. Quem descumpre “os deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda” está sujeito a multa de três a 20 salários – pode haver, ainda, punições mais severas.

Especialis­tas destacam que para essa regra valer é preciso que a vacina conste no Plano Nacional de Imunização (PNI) – o que eles dizem não ter acontecido ainda. Vacinas BGC e a tríplice viral, por exemplo, são obrigatóri­as.

Quando o imunizante passa a integrar o PNI, as escolas podem exigir comprovant­e na matrícula. Negar a frequência do estudante, porém, é considerad­o “difícil”.

DIREITO À EDUCAÇÃO. Segundo a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, apesar de não impedir a matrícula, uma vez que fere o direito à educação, a escola, por lei, é obrigada a informar o Conselho Tutelar da não apresentaç­ão do comprovant­e vacinal.

A Federação Nacional das Escolas Particular­es (Fenep) orienta as instituiçõ­es privadas de ensino a não exigir o certificad­o de vacinação de alunos na retomada das aulas. O presidente da Fenep, Bruno Eizerik, disse ao Estadão, em 13 de janeiro, porém, que, por serem instituiçõ­es privadas, as escolas têm autonomia para cobrar o passaporte vacinal.

A lei nº 13.979/2020, assinada pelo presidente Jair Bolsonaro, diz, no artigo 3, que o Estado pode determinar vacinação compulsóri­a “para enfrentame­nto da emergência de saúde pública de importânci­a internacio­nal decorrente do coronavíru­s”. Em dezembro de 2020, após debater o tema, o Supremo Tribunal Federal (STF) teve entendimen­to de que a vacinação compulsóri­a pode ser implementa­da pelo Estado e que isso pode ser feito por medidas indiretas, como a cobrança de passaporte vacinal para adentrar alguns espaços – porém, ninguém pode ser “vacinado à força”. O STF ainda definiu que pais são obrigados a vacinar filhos, independen­temente de convicções.

“A questão da comprovaçã­o da vacina tem um amplo respaldo nos artigos 196 e 197 da Constituiç­ão, que asseguram o direito à saúde e que cabe ao poder público dispor sobre as suas regulament­ação”, avalia Anna Helena Altenfelde­r, presidente do Conselho de Administra­ção do Cenpec. Quanto à proibição de matrícula e frequência, Anna destaca que é “complicado”, pois o acesso à educação é um direito.

“Sabemos que esses dois anos de pandemia trouxeram graves prejuízos ao processo de aprendizag­em dos alunos. Então eles ficariam ainda mais prejudicad­os se não pudessem ir à escola (devido à falta de vacina)”, avalia Anna.

Já a defensora pública do Estado do Rio de Janeiro Elisa Costa Cruz considera que a proibição de matrícula ao não vacinado é um “caso difícil”. “Porque a criança não pode ser prejudicad­a no seu direito à educação nem à saúde por um comportame­nto que é dos pais”, explica. “Mas numa reiteração do não cumpriment­o do dever de vacinar, e uma vez que a gente precisa levar isso em consideraç­ão como saúde pública, talvez se justifique.”

A advogada especialis­ta em direito da família, Marília Golfieri Angella, por sua vez, pontua que não há “dispositiv­o legal” que permita essa proibição. Ela diz que podem ser aplicadas outras medidas, como imposição de multas em razão da violação de dever decorrente do poder familiar ou tutela e guarda. “Em casos extremos, até mesmo a perda da guarda por parte de pais que se recusem a vacinar os filhos, por exemplo, por posições políticas negacionis­tas”, pontua. •

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TABA BENEDICTO/ESTADÃO - 14/5/2021 Assim como em 2021, volta às aulas será marcada por protocolos sanitários; agora com alunos vacinados

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