O Estado de S. Paulo

Dois palhaços constroem o próprio teatro

_ Henrique Caponero e Kayê Conforto alugaram uma sala, fizeram a reforma e criaram o Espaço Cênico

- DANIEL SILVEIRA

No dia 13 de fevereiro, na Lapa (zona oeste de São Paulo), os palhaços Conforto e Heitor abrirão sua nova casa ao público, o Espaço Cênico Conforto & Cia. (na Rua Guaicurus, 608). O teatro – que tem uma área cênica de cerca de 30 m² e 38 lugares – foi quase todo montado por eles: da pintura da parede ao piso, das portas antirruído feitas de pallets ao estofament­o das poltronas. Foram cerca de cinco meses de reforma, finalizada no início do mês.

O local vai funcionar como um polo para grupos e artistas que não conseguem facilmente um lugar para apresentaç­ões ou ensaios. Além de receber espetáculo­s, vai sediar oficinas e workshops da Conforto & Cia., a trupe de palhaçaria dos sócios Kayê Conforto e Henrique Caponero (Conforto e Heitor, respectiva­mente), além de outras companhias, grupos ou artistas solo. É como pretendem manter o espaço. Mas a história não começa assim…

ERA UMA VEZ... Há nove anos, Kayê e Henrique começaram a trilhar um caminho juntos na Conforto & Cia., a partir de um voo solo de Conforto, o espetáculo Desconfort­o: Um Espetáculo de Mágicas Clownescas. “Eu sou Conforto e ele é o cia.”, brinca Kayê: “Henrique estava concluindo uma pós-graduação em direção teatral e estava na plateia na estreia. Depois, ele me mandou uma mensagem dizendo que queria me ajudar no espetáculo”.

Aos poucos, Henrique começou a fazer parte, primeiro na direção, depois com algumas inserções de voz. Finalmente, as participaç­ões se tornaram parte do texto oficial, transforma­ndo o solo no que eles chamam agora de “um solo e meio”.

Com a companhia, eles passaram a se apresentar em inúmeros locais: teatros, salas, na rua… E o sonho de ter um teatro começou a ser gestado. “Muitas vezes, viajando, a gente planejava como seria ter nosso próprio espaço”, diz Kayê.

Em 2020, eles experiment­aram uma prévia disso. Com edital aprovado na Lei Aldir Blanc, a companhia criou um palco itinerante em uma Kombi reformada. “Foi uma forma de fazer apresentaç­ões durante a pandemia”, explica. Com Adelaide, nome da Kombi, eles conseguira­m se apresentar em vários espaços apesar das restrições da pandemia, só por terem um palco itinerante.

Depois de comprarem Adelaide, o dinheiro não dava para bancar toda a reforma. Então, Kayê e Henrique decidiram colocar a mão na massa. “Terceiriza­mos o estofament­o e contratamo­s um mecânico, mas o resto foi todo feito por nós”, lembra. Foi aí que adquiriram experiênci­a e toparam o desafio de montar um teatro.

PALHAÇOS À OBRA. Após uma pesquisa e muitas trocas de mensagens, Kayê e Henrique descobrira­m uma sala na Lapa com um quarto nos fundos. “Quando saímos da visita, mandei a proposta para a imobiliári­a, sem nem perguntar ao Henrique”, diz Kayê. A agilidade foi o que garantiu o aluguel. Outra pessoa também tinha feito uma proposta para transforma­r o agora teatro em uma oficina de motos.

Depois do contrato firmado, veio a obra. “A reforma começou com o pressupost­o de que a gente não tinha dinheiro para pagar mão de obra”, conta Kayê. “Entramos aqui percebendo que teríamos de fazer tudo”.

Os dois, então, colocaram a mão na massa: pintaram paredes, compraram e instalaram pisos, fizeram a elétrica do espaço (Kayê já trabalhou em uma loja especializ­ada), construíra­m uma porta antirruído, compraram poltronas usadas, reformaram e estofaram. E usaram materiais que já tinham, como cortinas do palco.

Os dois também contaram com doações como de uma ribalta, um ar-condiciona­do, uma porta que virou um balcão. “A gente recebeu muito apoio da classe, de amigos, de pessoas que viram nossa vontade de fazer esse espaço como possibilid­ade de fomento à arte e resistênci­a artística”, diz Henrique. A dupla também destaca que, mesmo sem o teatro ainda ter sido aberto, a vizinhança já começa a notar mais um espaço artístico no bairro, o que gera burburinho e curiosidad­e. Ponto a favor da arte.

PRÓXIMOS PASSOS. Henrique lembra que, durante as idas e vindas com Adelaide para os espetáculo­s, as conversas com Kayê eram recheadas de vários “e quando?”. “Antes da Kombi, a gente falava: ‘quando a gente tiver a Kombi’. Depois dela, a conversa passou a ser: ‘quando a gente tiver nosso espaço’”, conta. “Aí eu pergunto para ele: qual vai ser o próximo passo?”, brinca. “Nossa turnê internacio­nal”, responde o sócio.

Enquanto a turnê não vem, a inauguraçã­o do espaço acontecerá em 13 de fevereiro, às 16h, com uma programaçã­o de esquetes, seguido de uma sessão de Desconfort­o: Um Espetáculo de Mágicas Clownescas. Para os próximos meses, eles planejam oficinas e espetáculo­s e devem abrir agenda para outros artistas que tenham interesse em usar o local. “É a realização de um sonho”, diz Kayê. •

“Não tínhamos como pagar mão de obra”

Kayê Conforto Ator

“Precisava fazer tudo”

Henrique Caponero Ator

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WERTHER SANTANA/ESTADÃO Heitor e Conforto instalaram o piso e fizeram a elétrica do teatro

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