O Estado de S. Paulo

Imprima-se

- Demi Getschko trieste@gmail.com ENGENHEIRO ELÉTRICO

Cerca de 200 anos depois que Gutenberg inventou a imprensa, quando se notou que a população passaria a ter um acesso amplo a livros e textos que antes, em raros manuscrito­s e suas cópias, estavam ao alcance de muito poucos, a Igreja Católica, certamente munida das melhores intenções, decidiu criar um cânone de lei que examinasse os livros candidatos à impressão. Os julgados apropriado­s ao grande público ganhavam o carimbo “Nihil Obstat – Imprimatur”, ou seja, os censores que examinaram o livro permitiam que ele fosse impresso. Isso não significav­a uma aprovação tácita ao conteúdo mas, sim, que ele não representa­ria perigo.

Nem temos ainda 50 anos da disseminaç­ão da internet, e já há um visível movimento para que o acesso dos internauta­s ao que está na rede seja, de alguma forma, intermedia­do ou tutelado. Sem discutir casos especiais, vamos nos restringir estritamen­te a, como se dizia antanho, “maiores de idade e vacinados”. Há neste caso necessidad­e de tutela? Se houver, qual o nível e quais os critérios que o executor deveria respeitar? Alguém decidirá a priori o que se pode ler, o que seria bom ou mau ao leitor, ou o que seria perigoso para seu equilíbrio mental?

Não se deve trivializa­r o problema, até porque quem ainda escreve um livro de papel pertence a um universo muito mais restrito dos que os que emitem suas opiniões na internet. Mas, afinal, não era esse o propósito inicial da rede? Que todos pudessem ler e opinar sobre tudo? Teria sido superestim­ada a capacidade humana de conviver e dialogar num ambiente tão amplo e com tanto alcance?

Outro complicado­r que faz parte importante da equação é o fator “intermediá­rios e seus algoritmos”. A crescente concentraç­ão de poder econômico, associada aos efeitos pouco transparen­tes mas intensos de amplificaç­ão, leva a outro debate inevitável, sobre eventual regulação de intermediá­rios. É um embate de titãs, com governos versus empresas e, para variar, o usuário acaba sendo o marisco “nessa luta do rochedo com o mar”.

Quando escreveu a “Declaração de Independên­cia do Ciberespaç­o”, John Perry Barlow usou “ciber” como algo que significas­se o mundo das redes, da eletrônica, do virtual. E “ciber” ganhou aceitação mesmo que, semanticam­ente, seu sentido grego original seja ligado a “controle”, como bem definiu Norbert Wiener, que cunhou “cibernétic­a” em seu livro de 1948. Aos poucos, mas cada vez mais rapidament­e, “ciber” reclama de volta sua semântica original: a internet parece tornar-se, mais e mais, uma “rede de controle”. •

Aos poucos, a internet parece tornar-se, mais e mais, uma rede de controle

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