O Estado de S. Paulo

Leste Europeu vira campo de testes para novas formas de censura

Objetivo de governos autoritári­os da região é destruir a credibilid­ade de jornalista­s críticos e de veículos independen­tes

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Quando a covid atingiu o Leste Europeu, no início de 2020, uma jornalista sérvia relatou uma grave escassez de máscaras e equipament­os de proteção. Ela foi presa, jogada em uma cela sem janelas e acusada de incitar pânico. Ana Lalic foi rapidament­e libertada e até recebeu um pedido de desculpas do governo, no que parecia uma vitória contra a repressão do presidente autoritári­o da Sérvia, Aleksandar Vucic.

Mas, em seguida, Lalic foi difamada por semanas, chamada de traidora por grande parte da imprensa, que está cada vez mais sob o controle de Vucic e de seus aliados, que adotam táticas importadas da Hungria e de países que convivem com a deterioraç­ão da democracia na Europa Oriental. “Virei inimiga do país”, disse.

A Sérvia já não prende ou mata jornalista­s críticos, como acontecia no governo de Slobodan Milosevic, nos anos 90. Agora, o Estado busca destruir a credibilid­ade e garantir que poucas pessoas vejam suas reportagen­s. O silenciame­nto de críticos ajudou Vucic – e também o atleta mais conhecido do país, o tenista Novak Djokovic, cuja deportação da Austrália foi retratada como uma afronta intoleráve­l aos sérvios.

Em toda a região, da Polônia à Sérvia, a Europa Oriental tornou-se terreno fértil para novas formas de censura que evitam a força bruta, mas empregam ferramenta­s mais suaves e eficazes para restringir as vozes críticas e influencia­r a opinião pública em favor dos que estão no poder.

ELEIÇÕES. Na Sérvia, a TV tornou-se tão tendencios­a em apoio a Vucic, segundo Zoran Gavrilovic, diretor do Birodi, grupo de monitorame­nto independen­te, que o país “se tornou um grande experiment­o sociológic­o para ver até que ponto a mídia determina a opinião e decide as eleições”.

No ano passado, o V-dem Institute, um centro de estudos sueco, descreveu o fenômeno como uma “onda global de autocratiz­ação”. Sérvia e Hungria, que estão na vanguarda do movimento, terão eleições em abril – um teste para saber se o controle da mídia funciona.

Uma pesquisa recente da Birodi sobre reportagen­s na TV sérvia descobriu que, durante um período de três meses, a partir de setembro, Vucic recebeu mais de 44 horas de cobertura, 87% das quais positivas, em comparação com três horas para o principal partido de oposição – 83% negativas.

Quase toda a cobertura negativa de Vucic apareceu no N1, um canal de notícias independen­te que noticiou os relatórios de covid de Lalic. Mas uma amarga guerra de mercado está acontecend­o entre o provedor que hospeda o N 1– Banda Larga Sérvia ( SBB) – e a empresa de telecomuni­cações controlada pelo Estado, a Telekom Srbija.

Recentemen­te, a Telekom Srbija fez um movimento que muitos viram co moumes forç opara tornaraSBB­m enos atraente para os consumidor­es, quando roubou da empresa os direitos de transmissã­o do futebol inglês, oferecendo pagar 700% amais por eles.

O espaço para mídia crítica vem diminuindo em toda a região. O V-dem Institute coloca Sérvia, Polônia e Hungria entre os “dez países mais autocrátic­os”, citando “agressões ao Judiciário e restrições à mídia e sociedade civil”. A Freedom House agora classifica a Sérvia como “parcialmen­te livre”.

Mas a questão não se restringe à Sérvia. Na Polônia, o partido governista, Lei e Justiça, transformo­u a emissora pública TVP em um megafone de propaganda, enquanto a empresa estatal de petróleo assumiu vários jornais regionais – embora alguns meios ainda ataquem o governo.

A Hungria foi mais longe, reunindo centenas de meios de comunicaçã­o em uma holding controlada por aliados do primeiro-ministro, Viktor Orban. Os rivais políticos, anteriorme­nte divididos, formaram uma frente para as eleições de abril, mas ainda não conseguira­m romper seu domínio sobre a imprensa.

Em 2021, o governo esloveno impôs restrições financeira­s a ONGS e mudou a lei ambiental, dando como desculpa um pacote de estímulo aos afetados pela covid. Em junho, a Eslovênia entrou na lista do V-dem Institute com um dos países que experiment­am um rápido declínio das liberdades civis. •

NYT

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Redação da N1 na Sérvia, canal de notícias independen­te que divulgou relatórios de covid de Lalic

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