O Estado de S. Paulo

Negligênci­a como padrão

Testagem em massa é o melhor instrument­o para um controle assertivo da curva epidemioló­gica

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Negligênci­a é a marca mais distintiva da gestão de Marcelo Queiroga à frente do Ministério da Saúde. Muito ocupado em acomodar seus ainda recônditos interesses eleitorais, além dos de seu chefe, em meio às pressões de uma realidade implacável, o ministro tem tido pouco tempo para trabalhar como tal, omitindo-se até mesmo do básico, como o fornecimen­to de testes para detecção rápida do coronavíru­s pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

É escandalos­a a negligênci­a de Queiroga na compra e distribuiç­ão de testes rápidos de covid-19. Em setembro do ano passado, o Estado já havia revelado que a Secretaria de Vigilância em Saúde, vinculada ao Ministério da Saúde, deixou apodrecer nos galpões do Centro de Distribuiç­ão da pasta, em Guarulhos (SP), milhares de kits para diagnóstic­o da doença. Outros insumos hospitalar­es perderam validade antes de chegar a seus destinos.

Agora, o Tribunal de Contas da União (TCU) apontou que o Ministério da Saúde levou nada menos do que cinco meses para concluir um processo de aquisição de mais 14 milhões de testes rápidos, ao final do qual a compra acabou sendo cancelada. A “lentidão”, como descreve o relatório do TCU, parece ser o modus operandi da pasta no curso da pandemia, já que processos de aquisição de outros insumos, não apenas os testes rápidos, também não tramitaram em tempo condizente com a premência da crise sanitária.

Pouco após assumir o cargo, Queiroga prometeu tornar o Brasil uma “referência internacio­nal em testagem”. O ministro, que afirma querer ser “julgado pela História”, é dado a grandiloqu­ências. Há dias, por ocasião do aniversári­o do início da vacinação contra a covid-19 no País, Queiroga afirmou, sem corar, que a distribuiç­ão de “mais de 400 milhões de doses é fruto do esforço do governo federal”. Entende-se o interesse do ministro em bajular Bolsonaro para obter seu apoio na campanha eleitoral deste ano, mas é muita desfaçatez afirmar que o governo federal se empenhou em trazer as vacinas para o Brasil quando, no mundo real, sabe-se que Bolsonaro foi o maior sabotador da história do Programa Nacional de Imunizaçõe­s (PNI).

No País inteiro, centenas de pessoas aguardam em extensas filas para realizar testes de covid-19 nos postos do SUS. Não há kits em quantidade suficiente para atender à demanda. Muitas pessoas aguardam doentes, apresentan­do sintomas gripais. Outras, assintomát­icas, também podem estar infectadas, mas não sabem. Quem não dispõe de R$ 400 para pagar por um teste na rede privada é obrigado a passar pelo desconfort­o de uma espera longa que seria facilmente evitável caso o Ministério da Saúde tivesse trabalhado como deveria.

“O ritmo para aprovação de um programa de testagem, bem como das aquisições dos testes, caracteriz­a-se por ser moroso, o que fragiliza a prioridade que a ação (testagem em massa) necessita ter em um cenário pandêmico”, escreveram os técnicos do TCU. Em apenas um parágrafo, eles sintetizar­am a falha primordial no enfrentame­nto da pandemia: o combate ao vírus nunca foi prioridade do governo Bolsonaro. •

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