O Estado de S. Paulo

Aliados de líderes de partidos recebem por consultori­as

Dinheiro de fundo para contratar advogados, contadores e consultore­s vai para parentes e amigos de presidente­s de siglas

- LUIZ VASSALLO GUSTAVO QUEIROZ COLABORARA­M MILKA MOURA E LAVÍNIA KAUCZ

Partidos podem usar verba do Fundo Partidário para contratar escritório­s de advocacia, contadores e consultori­as que tenham relação com a atividade política. A legislação, porém, não exige que sejam feitas concorrênc­ias para a execução destas despesas. Em 2021, algumas siglas utilizaram esse dinheiro público para contratar aliados de caciques e até comprar o imóvel de um deles.

O Estadão identifico­u gastos com parentes e amigos de dirigentes. Na lista estão aliados com cargo no governo federal, um “guru ideológico” e até um ex-assessor apontado como “homem da mala” pela Polícia Federal e pela Procurador­ia-Geral da República.

O Progressis­tas pagou R$ 125 mil por uma consultori­a da empresa Mult Talentos, que pertence a José Jesus Trabulo Sousa Júnior, diretor da Companhia Nacional de Abastecime­nto (Conab). Trabulo é apadrinhad­o do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (Progressis­tas), de quem é conterrâne­o e ex-assessor no Senado.

A Mult Talentos apresentou relatórios de monitorame­nto de redes sociais para o Progressis­tas. Segundo registro na Receita, tem sede em Teresina (PI) e atua nas áreas de “agências de publicidad­e”, “locação de automóveis sem condutor” e “treinament­o em desenvolvi­mento profission­al e gerencial”.

O Progressis­tas também paga salário de R$ 9 mil a Lourival Ferreira Nery Jr. Homem de confiança de Ciro Nogueira, Nery foi denunciado pela PGR como intermediá­rio de repasses de R$ 7,3 milhões da Odebrecht ao político.

No PL, o diretor do Fundo Nacional de Desenvolvi­mento da Educação (FNDE) Garigham Amarante, apadrinhad­o pelo chefe do partido, Valdemar Costa Neto, prestou consultori­a de R$ 169 mil à legenda. A informação foi antecipada pelo site Metrópoles e confirmada pelo Estadão. Nas prestações de contas, a descrição fala em “reuniões sobre demandas” no próprio FNDE.

O escritório do advogado Antonio Oliboni, que foi secretário-geral do PSC, recebeu R$ 403 mil em 2021. Trata-se de parte das parcelas de R$ 31 mil mensais pela compra, por R$ 1,2 milhão, de imóvel que pertence à banca de advocacia, no Rio. O contrato foi feito em 2019. Desde 2017, Oliboni alugava o mesmo imóvel para o PSC, por R$ 12 mil mensais.

Secretário jurídico do PTB, o advogado Luiz Gustavo Pereira da Cunha defende o presidente da legenda, Roberto Jefferson, no inquérito das fake news, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). A legenda pagou R$ 1 milhão ao seu escritório de advocacia.

GURU. O PTB também pagou R$ 9 mil a uma consultori­a do coronel reformado e ex-agente do extinto Serviço Nacional de Informação Enio Fontenelle, “guru ideológico” de Jefferson. Fontenelle foi contratado para fazer uma análise em telefones e computador­es do PTB. Concluiu que Jefferson “corre risco de vida”, por haver, na sede da sigla, “grande vulnerabil­idade a ataques de snipers”.

Já o Solidaried­ade pagou R$ 480 mil à ML2 Consultori­a, de Eduardo Bentes Leal, candidato a deputado distrital em 2018 pelo partido. Nas notas, consta que o objeto do contrato é “prestação de serviços de assessoria política”.

RESPOSTAS. Procurados, o Progressis­tas e o PL não se manifestar­am. O PTB não respondeu os questionam­entos do Estadão. O PSC não foi localizado. O Solidaried­ade afirmou que “Eduardo Leal é prestador de serviços desde 2014, o fazendo desde 2016 por meio da ML2 Consultori­a”.

Luiz Gustavo Pereira da Cunha afirmou que não recebe salário como dirigente partidário, somente como advogado. “Faço todas as prestações de contas do PTB”, declarou ele.

O advogado de Garigham Amarante, Robson Halley, afirmou que seu cliente “trabalhou por mais de duas décadas no Congresso e é habilitado a prestar serviço de consultori­a”. O ex-secretário Antonio Oliboni disse que “não há nada de errado” na transação do imóvel com o PSC.

A reportagem não obteve respostas de José Trabulo e de Lourival Nery e não localizou Enio Fontenelle. •

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