O Estado de S. Paulo

‘Inflação é a chave para sustentaçã­o de um presidente’

Para cientista político, alta de preços dificulta reeleição e efeito de benefícios sociais é limitado Mestre e doutor em Ciência Política pelo Iuperj, é autor de ‘A Cabeça do Brasileiro’, ‘O Voto do Brasileiro’ e ‘A Cabeça do Eleitor’

- PEDRO VENCESLAU

No livro A mão e a luva – o que elege um presidente (editora Record), o cientista político Alberto Carlos Almeida defende a tese de que as percepções do eleitor médio estão em consonânci­a com a economia real e o controle da inflação é fator determinan­te para o sucesso ou fracasso de qualquer projeto de poder. Sob essa perspectiv­a, Almeida diz acreditar que as recentes medidas patrocinad­as pelo presidente Jair Bolsonaro não serão suficiente­s para reelegê-lo.

Na eleição passada, a corrupção falou mais alto que a inflação na hora do voto. Em 2022, qual será o elemento principal?

Em 2018, a corrupção teve impacto por causa da inflação e da economia. Teve escândalos de corrupção em outras eleições, como o mensalão, mas era uma situação de bonança econômica. O aprendizad­o que tivemos no livro é que, se for preciso escolher uma coisa para se dar bem como presidente e manter a popularida­de alta, é a inflação. Controlar a inflação não é tudo, mas tudo sem controlar a inflação não é nada. A inflação é o elementoch­ave para a sustentaçã­o de um presidente da República.

A injeção de dinheiro com programas de transferên­cia de renda ajuda o presi- dente a três meses da elei- ção, apesar da inflação?

Ou a maior parte da opinião pública quer mudança, ou continuida­de. Neste ano, a maior parte quer mudança. Eu acho difícil que as medidas que estão sendo tomadas mudem o humor da mudança para a continuida­de. Isso só aconteceu uma vez em ano eleitoral: em 1994, com o Plano Real. Até junho daquele ano, a grande maioria do eleitorado queria mudança. Mas em julho houve a troca do papel-moeda, e a inflação caiu de 30% para 5%. A contenção da inflação fez o que era um desejo majoritári­o de mudança virar desejo de continuida­de. Foi a única vez. Não acredito que vai acontecer de novo agora.

Ser de esquerda ou direita, conservado­r ou progressis­ta, define uma eleição?

Tem três eleitorado­s: o que sempre vota na direita, o que sempre vota na esquerda e o que alterna. Esse da direita sempre votou no PSDB, mas em 2018 foi para o Bolsonaro. O da esquerda sempre votou no PT. Quem decide a eleição é esse que muda de voto. O centro está na opinião pública, e não nas candidatur­as.

Existe espaço fora da polarizaçã­o nesta eleição?

Em três eleições a terceira via teve em torno de 20% dos votos válidos – com Anthony Garotinho e Marina Silva. Toda terceira via é oposição ao governo por definição. Sendo assim, ela precisa tirar votos do candidato de oposição. Quem vota na oposição avalia o governo como ruim ou péssimo. Ou seja: para crescer, a terceira via tem que atrair as pessoas que avaliam Bolsonaro como ruim ou péssimo e votam no Lula. Tem de tirar votos do Lula, e não do Bolsonaro. Isso é lógica pura. Os 25% que estão satisfeito­s com Bolsonaro vão votar nele. Para tirar voto do Lula, você não pode atacá-lo. O eleitor do Lula fica irritado. Para crescer, a terceira via tem que atacar o Bolsonaro, e não o Lula. Ela tem que ser vista como uma oposição melhor do que o Lula. Mais contundent­e.

Ciro Gomes tem atacado os dois – Lula e Bolsonaro –, enquanto Simone Tebet diz “eles não”. Como avalia essas estratégia­s?

A eleição se divide entre uma candidatur­a de governo e várias de oposição. O candidato da terceira via precisa se assumir como oposição. Quando Ciro ataca Lula, gera rejeição entre os eleitores do Lula. Ele não vai tirar votos do Lula. Teria que apresentar a imagem de uma oposição melhor do que o ex-presidente. Não se tira votos do Lula batendo nele. É um erro total atacar Lula e não atacar com dureza Bolsonaro. É um erro tergiversa­r no ataque a Bolsonaro.

“Acho difícil que as medidas que estão sendo tomadas mudem o humor da mudança para a continuida­de.”

Há chances de que a polarizaçã­o seja quebrada?

Está muito em cima. Se você abrir todas as pesquisas públicas e fizer o cruzamento, vai ver que 90% dos que avaliam o governo Bolsonaro como ótimo e bom votam nele, e 80% do que avaliam como ruim e péssimo votam em Lula. O eleitor já está distribuíd­o. Quem avalia como regular vota mais em Lula do que em Bolsonaro.

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ALEX SILVA/ESTADÃO Almeida: ‘O centro está na opinião pública, não nas candidatur­as’

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