O Estado de S. Paulo

Democratas precisam se afastar dos extremos

Mover-se em direção ao centro poderia ocasionar o início da cura da democracia americana

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Todo presidente anseia entrar para a história – mas não da mesma maneira que Joe Biden. No atual momento de sua presidênci­a, a maior realização de Biden foi conquistar os índices de aprovação mais baixos do que qualquer outro presidente americano na função desde os anos 50. Mesmo entre os democratas, 67% consideram que a economia vai mal, 78% consideram que o país está na direção errada e 64% querem outro candidato à presidênci­a em 2024.

Biden assumiu o cargo prometendo curar a alma de seu país. Dezoito meses depois, ele tem pouco com que se orgulhar a respeito desses esforços. A inflação minou a boa vontade. As tentativas da Casa Branca de mobilizar o Estado, incluindo a lei teoria de tudo, conhecida como Build Back Better, estagnaram no Congresso. Os democratas estão se preparando para duras derrotas nas eleições de meio de mandato, em novembro. Uma revanche gerontocrá­tica em 2024 bem poderia resultar na volta de Donald Trump à Casa Branca – legitimame­nte.

A Economist não costuma dar conselhos a partidos políticos, mas a combalida democracia americana requer reparo urgente. A maioria dos congressis­tas republican­os endossou a tentativa de Trump de roubar a última eleição presidenci­al – e muitos deles deverão ser recompensa­dos se a Câmara dos Deputados retornar para o controle republican­o. E enquanto eles cederem à sua base abraçando a nefasta influência de Trump, mesmo depois de o expresiden­te passar por cima da Constituiç­ão, esse reparo não virá dos republican­os.

Os democratas, portanto, veem a si mesmos – corretamen­te – como os únicos guardiões remanescen­tes do sistema político americano. O país precisa de partidos que represente­m seus eleitores, e poucos deles aderem aos extremos. E, ainda assim, os democratas também têm sido vítimas de seus ativistas.

GUERRAS CULTURAIS. Ideias extremas e certas vezes excêntrica­s invadiram furtivamen­te a retórica democrata, o que culminou no febril verão de 2020 (Norte) com o movimento para “desfinanci­ar a polícia”, abolir o policiamen­to imigratóri­o, rejeitar o capitalism­o, reclassifi­car as mulheres como pessoas que dão à luz e injetar “antirracis­mo” nas escolas. Se os democratas se definirem em função de suas ideias mais extremas e menos populares, estarão alimentand­o com o ressentime­nto das guerras culturais um partido de oposição que ainda não expurgou o veneno que torna Trump inapto para ocupar a presidênci­a.

Os democratas começaram a consertar o discurso, mas lhes falta urgência. Isso pode ocorrer porque alguns atribuem a outros a culpa de seus problemas – como quando a Casa Branca menciona a “alta de preços de Putin” ou a negativida­de de políticos republican­os e dos meios de comunicaçã­o conservado­res. Ainda que algo tenha sido feito, o partido também tem de abandonar os mitos acalentado­s que dão poder a seus idealistas.

COALIZÃO. Um deles reza que uma coalizão heterogêne­a de eleitores progressis­tas descontent­es está pronta para ser organizada e ocasionar uma revolução social. A verdade é que aqueles que não votam são alienados da política e nem tanto progressis­tas. Alguns eleitores negros, hispânicos e de classe trabalhado­ra podem muito ver uns aos outros como rivais ou ter posições conservado­ras a respeito de raça, imigração e criminalid­ade.

Outro mito afirma que é desnecessá­rio conquistar os eleitores de centro, porque o destino dos democratas será resgatado por grandes reformas estruturai­s na democracia americana que configuram possibilid­ades reais e tentadoras. A Constituiç­ão faz o Senado e o Colégio Eleitoral favorecere­m os EUA rurais, portanto afasta os democratas. Alguns no partido sonham em usar uma supermaior­ia no Congresso para mudar a forma da representa­tividade em Washington para refletir o voto popular, adicionand­o novos Estados à União, emendando a Constituiç­ão ou nomeando mais ministros para a Suprema Corte. Contudo, mesmo em tempos melhores, haveria pouca chance de isso realmente acontecer.

QUEIXAS. O maior do mitos dá conta de que as posições progressis­tas do Partido Democrata engendram vigor em sua base e desgastam apenas o outro lado. Considere a eleição para governador na Virgínia, em 2021. Depois de dar a Biden 10 pontos porcentuai­s de vantagem em 2020, os eleitores do Estado escolheram como governador um republican­o cuja principal promessa de campanha foi livrar as escolas da Teoria Crítica da Raça (TCR). Esse conceito se tornou um elemento agregador de todas as queixas conservado­ras, verdadeira­s ou fantasiosa­s. Ataques dos republican­os qualifican­do os democratas como socialista­s sem contato com a realidade soam como verdades para muitos eleitores de centro.

A boa notícia é que os democratas estão mostrando sinais de estar retroceden­do de seu pico progressis­ta. Em São Francisco, eleitores irados retiraram o procurador distrital e outros três integrante­s do conselho escolar cujo zelo por surpresas ideológica­s negligenci­ava problemas triviais, como criminalid­ade e educação. No ano passado, Minneapoli­s derrubou em referendo uma moção para desfinanci­ar a polícia, e Nova York escolheu um ex-capitão da polícia como prefeito. Todas essas causas foram apoiadas por eleitores não brancos, incluindo asiáticos-americanos em São Francisco e afroameric­anos em Minneapoli­s. Proeminent­es democratas que disputam cargos em Estados divididos estão se afastando da retórica que cativou seu partido em 2020.

Mas os democratas têm de se movimentar com mais rapidez. Com bastante frequência, Biden parece se afastar das piores ideias de seu partido com entonações mudas e apartes delicados. Ele precisa ser mais claro e falar mais alto em defesa de ideias que costumavam ser incontestá­veis: elevação na criminalid­ade é inaceitáve­l, e as polícias são necessária­s para contê-la; imigração legal é melhor do que imigração ilegal, e a segurança das fronteiras deve ser mantida; o estudo sobre o racismo pertence ao currículo escolar, a práxis da justiça social, não. Não basta que os democratas denunciem a desinforma­ção dos republican­os. Eles precisam contradize­r a ideia de que também são prisioneir­os de seus extremos.

Se pretende salvar a alma do país, Biden precisa primeiro salvar a do seu partido

ALVO É O CENTRO. Além de constituir uma estratégia política astuta, mover-se em direção ao centro poderia também ocasionar o início da cura da democracia americana. O risco não poderia ser maior. O Partido Republican­o sucumbiu ao desprezo de Trump pelo estado de direito e por resultados verdadeiro­s de eleições. Enquanto o ex-presidente estiver posicionad­o para conquistar novamente sua antiga função em 2024, a reformulaç­ão do pensamento dos republican­os exigirá uma derrota eleitoral esmagadora – o que, por sua vez, exige um fim claro à deriva ideológica que coloca os democratas em perigo. Resistir aos ideólogos da esquerda exigirá determinaç­ão, mas se Biden pretende salvar verdadeira­mente a alma de seu país, deve começar salvando a alma do próprio partido.

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