O Estado de S. Paulo

Ressurge a história de uma pioneira da Arquitetur­a no País

Primeira obra de Arinda da Cruz Sobral é a Capela de São Silvestre, no Rio, que segue preservada e ativa

- PRISCILA MENGUE

Em agosto de 1883, nascia uma pioneira. Filha de Margarida e João José Sobral, a carioca Arinda da Cruz Sobral viria a se tornar a primeira arquiteta formada no País, em 1914, aos 31 anos.

A arquiteta viveu por quase um século, mas permaneceu esquecida por décadas. Sua história acaba de ser recuperada graças ao doutorado da historiado­ra Camila Belarmino, de 39 anos, no Instituto de Arquitetur­a e Urbanismo da USP São Carlos.

Arinda ingressou no então único curso de Arquitetur­a do País em 1907, criado mais de 90 anos antes na Escola Nacional de Belas Artes, hoje parte da UFRJ. Ela ficou em 2º e 3º lugar em dois concursos de desenho figurado e ganhou uma distinção. Só em 1929, outra mulher concluiria a formação, a arquiteta Danúzia Palma Dias Pinheiros.

Segundo Camila, Arinda tinha ligação especial com a Tijuca, zona norte do Rio. E não foi muito longe dali que teve o primeiro projeto implementa­do: a Capela São Silvestre, na Estrada das Paineiras, caminho para o Corcovado e parte do tombamento do Parque Nacional da Tijuca, pelo Iphan. Por anos, a capela foi noticiada como a “menor igreja do Rio”, pelas dimensões que lembram um oratório e permitem só celebraçõe­s ao ar livre.

Sobreviveu a deslizamen­to e incêndio nas imediações até ser restaurada e reinaugura­da em 2006. Recebe missas da Capelania Nacional dos Escoteiros do Brasil nos primeiros sábados do mês, às 10 h.

Primeiro projeto de uma arquiteta formada no País, a capela foi celebrada desde o início. A colocação da pedra fundamenta­l, em 1911, foi noticiada e teve a presença do então presidente, Hermes da Fonseca. Em mais de uma publicação, jornais destacam a autoria pioneira. Para a historiado­ra, a capela se encaixa no ecletismo e guarda parte significat­iva das caracterís­ticas originais e Arinda “estava na ordem do dia com as tendências arquitetôn­icas”. A inauguraçã­o foi em 1918.

Docência. Em 1923, a arquiteta se casou com outro funcionári­o público, adotando o nome de Arinda Sobral Belham. Teve ao menos uma filha, que morreu aos seis anos. Já Arinda viveu até 1981, no Rio. Formada no curso Normal um ano antes de ingressar no de Arquitetur­a, foi professora no Instituto Profission­al Feminino e escolas primárias por ao menos 20 anos.

Não teve outro projeto arquitetôn­ico identifica­do por Camila, que segue com pesquisas históricas e busca descendent­es de Arinda. Também planeja verificar se a brasileira foi a pioneira na América Latina (feito geralmente atribuído à uruguaia Julia Guarino, em 1923) e almeja uma placa de identifica­ção na capela. “É um trabalho que denuncia o apagamento, mas mostra ao público que elas existiram, enfrentava­m os limites da época”, diz. •

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ACERVO ICONOGRÁFI­CO DA BIBLIOTECA NACIONAL Arinda entrou no curso de Arquitetur­a em 1907 e venceu concursos

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