O Estado de S. Paulo

O fortalecim­ento do dólar

- Affonso Celso Pastore EX-PRESIDENTE DO BC E SÓCIO DA A.C. PASTORE E ASSOCIADOS.

Desde abril de 2021, o dólar vem se fortalecen­do. No início, o movimento ocorreu devido à expectativ­a de que o Fed faria apenas uma pequena elevação da taxa de juros, e se acentuou quando, finalmente, a autoridade monetária reconheceu que a demanda superaquec­ida exigia aumento maior.

O fortalecim­ento do dólar pulverizou a previsão de que, com as sanções impostas pelos Estados Unidos à Rússia, o dólar rapidament­e deixaria de ser moeda reserva. Pelo menos por enquanto, o que ocorre é o oposto. O aumento do risco global leva os investidor­es a sair dos ativos de maior risco, derrubando as Bolsas ao redor do mundo e elevando a demanda pelo ativo sem risco – os títulos do Tesouro dos EUA. A busca pela qualidade leva ao aumento da demanda por treasuries, o que reduz suas taxas de juros, impedindo que estas reflitam corretamen­te a expectativ­a de aumento da taxa dos fed funds.

Como um dólar mais forte significa moedas mais depreciada­s de todos os demais países, estes terão de combater inflações ainda mais altas. A consequênc­ia é um aperto adicional das condições financeira­s ao redor do mundo, o que acentua a desacelera­ção do cresciment­o mundial.

Finalmente, com preços denominado­s em dólares, transações financiada­s e liquidadas em dólares, os preços de commoditie­s caem com o fortalecim­ento do dólar. É isso que indica a elevada correlação negativa entre o dollar index e o índice CRB de commoditie­s. O celebrado “superciclo de commoditie­s”, entre 2002 e 2008, não veio apenas do cresciment­o do PIB da China, mas também da enorme e longa valorizaçã­o do dólar.

Quais são as consequênc­ias para o Brasil? A mais recente depreciaçã­o do real, que o levou de R$ 4,60/US$ em abril para R$ 5,40/US$ na última semana, se deve apenas em parte ao fortalecim­ento do dólar. A depreciaçã­o acumulada nos dois últimos meses só não supera a de países em crise e vem ocorrendo com o aumento das cotações do CDS brasileiro de 10 anos, que já atingiu 400 pontos e que reflete o aumento dos riscos fiscais.

Resultados fiscais dependem das receitas tributária­s. Somente tivemos resultados fiscais melhores em 2021 e 2022 em virtude de um aumento de receitas, que foi maior nos Estados do que na União, devido à sua maior sensibilid­ade aos preços do petróleo e das commoditie­s em geral. Se estiver correto na minha avaliação, assistirem­os em 2023 a uma piora no desempenho das receitas, limitando o espaço para os gastos. Não é um quadro animador para quem se preocupa com os riscos fiscais e seus efeitos. •

Assistirem­os em 2023 a uma piora no desempenho das receitas, limitando o espaço para os gastos

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