O Estado de S. Paulo

A lista tríplice é jugo, e não autonomia

PGR não deve estar submetida a interesses particular­es, sejam do Planalto, sejam de entidade privada. A pretensão de impor a lista tríplice de uma associação é inconstitu­cional

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Segundo o Estadão, procurador­es têm intensific­ado a pressão entre os candidatos ao Palácio do Planalto para que assumam o compromiss­o de indicar para o cargo de procurador-geral da República nomes que integrem a lista tríplice elaborada por uma entidade privada, a Associação Nacional dos Procurador­es da República (ANPR). Antiga, a demanda é rigorosame­nte inconstitu­cional, seja porque limita arbitraria­mente uma atribuição do presidente da República, seja porque subordina uma instituiçã­o de Estado, o Ministério Público, às vontades de uma associação privada.

A merecer muitos reparos, o comportame­nto do sr. Augusto Aras à frente da Procurador­ia-geral da República (PGR) não pode se converter em pretexto para criar uma deformação no funcioname­nto do Ministério Público, cuja função é defender a ordem jurídica e o regime democrátic­o. Não se corrige um erro instaurand­o outro erro.

Deve-se lembrar do óbvio: a lista tríplice elaborada pela ANPR não tem rigorosame­nte nenhum valor jurídico. Na indicação de um nome para ser o procurador-geral da República, o presidente da República não tem obrigação legal de ficar restrito a uma lista feita por entidade privada. Ou seja, quando procurador­es tentam constrange­r candidatos ao Palácio do Planalto com essa suposta obrigação, atuam às margens da lei. Falam em nome de interesses particular­es, e não do Ministério Público, cuja única baliza é a lei.

A Constituiç­ão de 1988 previu o procedimen­to para a nomeação do procurador-geral da República. “O Ministério Público da União tem por chefe o procurador-geral da República, nomeado pelo presidente da República dentre integrante­s da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a recondução”, diz o art. 128.

A pretensão de impor novos e arbitrário­s critérios para a escolha do procurador-geral da República é inteiramen­te descabida. Segundo o presidente da associação, Ubiratan Cazetta, “com ela (a lista tríplice), não tem candidatur­as tiradas do peito ou do bolso do paletó”. Ora, em primeiro lugar, não há que se falar em candidatur­a. A escolha é por indicação, e não por eleição envolvendo candidatos. O procurador-geral da República não é um líder de classe. Em segundo lugar, de acordo com o que está disposto na Constituiç­ão, os nomes não surgem do nada. São integrante­s da carreira, com mais de 35 anos de idade.

Ao contrário do que muitas vezes se diz, a pretensão de que a escolha do procurador-geral da República recaia sobre algum nome da preferênci­a da ANPR não representa fortalecim­ento institucio­nal do Ministério Público. Essa pressão da entidade revela a confusão que persiste entre instituiçã­o e corporação, entre obrigação legal e pretensão particular. “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, diz a Constituiç­ão.

Cabe também destacar que a movimentaç­ão em torno da tal lista tríplice enfraquece um aspecto fundamenta­l do rito previsto na Constituiç­ão de 1988: o nome indicado pelo presidente da República precisa ser aprovado pelo Senado. Em alguma medida, a pretensão de tornar a lista tríplice obrigatóri­a limita a competênci­a do Senado. Os senadores devem ter plena autonomia para rejeitar a pessoa indicada pelo presidente da República, desfrute ela ou não da simpatia da ANPR.

Por isso, mais do que recomendar que a indicação do procurador-geral da República esteja submetida às vontades de uma entidade privada, o comportame­nto do sr. Augusto Aras à frente da PGR reforça a responsabi­lidade do Senado na avaliação do nome indicado pelo presidente da República. Esse é o caminho constituci­onal para o bom funcioname­nto do Ministério Público.

Com a sabatina do Senado e as prerrogati­vas do cargo de procurador-geral da República, a Constituiç­ão forneceu os meios para que a PGR não esteja submetida aos interesses do Palácio do Planalto. Só faltava agora submetê-la aos interesses de uma entidade privada.l

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